20 jul 2021 Fonte: Revista da Plataforma Portuguesa das ONGD Temas: Presidência da UE, Alterações climáticas e ambiente
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Este artigo foi originalmente publicado na Edição da Revista da Plataforma Portuguesa das ONGD de junho de 2021 "Relações União Europeia-África: Que Futuro?" Leia ou faça download da edição completa da Revista aqui.
Autora: Lydia Lehlogonolo Machaka, Responsável de Justiça Climática e Energia do CIDSE
A gravidade dos impactos das alterações climáticas é cada vez mais evidente, particularmente em África, uma das regiões mais afetadas, apesar de ser a que menos contribui para as suas causas e de ter poucos recursos para se adaptar. Porém, a atenção no âmbito da parceria UE-UA está mais centrada nas necessidades da Europa do que nas de África. Neste contexto, são necessárias com urgência soluções transformadoras, justas e ambiciosas a nível mundial para permitir à UE cumprir a sua agenda climática e verde e apoiar verdadeiramente África a alcançar os seus objetivos de desenvolvimento através de fontes de energia renováveis para prosperar ao mesmo tempo que inspira outros. Mas quais são os principais passos a dar para alcançar a justiça climática? Aqui estão algumas lições.
A ambição em matéria de ação climática no seio da UE tem implicações significativas para os impactos climáticos em África. As alterações climáticas têm um impacto negativo na saúde, nomeadamente na saúde mental. Recentemente estão ligadas ao aparecimento e propagação de novas doenças infecciosas, tais como a COVID-19. Quanto maior é o aquecimento global, maior é a incapacidade de recuperação e adaptação com eficácia aos riscos climáticos e sanitários. Para agir de forma justa e eficaz, a parceria deve permanecer firmemente empenhada nos princípios-chave do Acordo de Paris de Responsabilidades Comuns mas Diferenciadas e Respetivas Capacidades (CBDR&C)
Em segundo lugar, o reconhecimento do verdadeiro valor e respeito pela natureza é central para abordar as causas profundas do problema e encontrar soluções que promovam uma ação unificadora e profundamente transformadora em matéria de justiça climática nas relações UE-África. Nas religiões e visões do mundo africanas, a natureza é um dom sagrado de Deus e uma fonte de vida. Consiste numa coexistência complexa, mas harmoniosa, de vida comunitária interdependente onde plantas, animais e seres humanos têm valores intrínsecos, existência espiritual e um propósito único em qualquer momento. Em África, a sobrevivência, a identidade cultural, a língua, a dignidade e o sentido de pertença, bem como o bem-estar das pessoas, depende, portanto, do bem-estar da natureza. Todos os restantes elementos deste sistema ecológico irão infelizmente deteriorar-se ou morrer à medida que algumas das suas partes perecerem, sejam estas uma parte do ecossistema ou um grupo de pessoas, com a sua cultura, identidade e modo de vida. Daí que a reverência, o respeito e o cuidado de África para com a terra continue a ser uma responsabilidade central e eterna e uma oferta em troca de toda a vida na terra e para além dela.
o reconhecimento do verdadeiro valor e respeito pela natureza é central para abordar as causas profundas do problema e encontrar soluções que promovam uma ação unificadora e profundamente transformadora em matéria de justiça climática nas relações UE-África.
Além disso, de acordo com os sistemas de conhecimento tradicionais africanos, nenhuma parte da natureza, em especial a terra e a água, deve ser mercantilizada ou tratada como um bem individual, pois é uma fonte indígena e local de vida, nutrição e saúde, medicina, ritual e celebração. Por conseguinte, o respeito por tais fundamentos espirituais é uma ação sagrada e essencial a ser salvaguardada por direito próprio em todos os momentos. Os investimentos para a ação climática da África devem dar prioridade e proteger os interesses, a herança cultural e o bem-estar de África. Além disso, o conhecimento indígena contribui significativamente para as políticas climáticas e de recuperação e para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas e não pode ser marginalizado.
Por outro lado, o baixo investimento no financiamento climático limita a ação climática de África. O setor energético, particularmente as fontes de produção de energia fortemente baseadas em combustíveis fósseis, é a maior fonte de emissões de CO2 relacionadas com a energia a nível mundial. A parceria UE-África deve co-criar e implementar medidas concretas para eliminar progressivamente a dependência dos combustíveis fósseis e mudar equitativamente para sistemas descentralizados alimentados por fontes de energia 100% renováveis até 2030. Para recuperar com eficácia e alcançar a coerência política para cumprir o objetivo de 1,5°C do Acordo de Paris (AP) e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), uma transição como esta deve ser urgente, sustentável, justa, inclusiva e transparente, abrangendo a diversidade, os direitos humanos e a igualdade de género . África tem uma abundância de recursos energéticos renováveis que devem ser aproveitados para satisfazer a crescente procura de energia e proporcionar às suas comunidades um acesso descentralizado e acessível à energia. A parceria UE-África deve alcançar mudanças transformacionais e sistémicas no financiamento climático, e na geração, eficiência, distribuição, consumo e apoio de energia, bem como noutros setores .
"(...) uma transição como esta deve ser urgente, sustentável, justa, inclusiva e transparente, abrangendo a diversidade, os direitos humanos e a igualdade de género
A próxima estratégia UE-UA também demonstra uma compreensão muito limitada da inovação, centrando-se nas tecnologias e na digitalização sem prestar a devida atenção aos potenciais impactos nas comunidades locais. Nem todas as medidas de mitigação são benéficas para o ambiente, a saúde e o bem-estar. Por exemplo, entre outras, a utilização expressiva de biocombustíveis pode reduzir a quantidade de terrenos disponíveis para a agricultura, criando insegurança alimentar e agravando a pobreza.
A parceria UE-África deve alcançar mudanças transformacionais e sistémicas no financiamento climático, e na geração, eficiência, distribuição, consumo e apoio de energia, bem como noutros setores
Além disso, colocar os ODS e o AP no centro da Parceria UE-África é um passo positivo para enfrentar os desafios mais prementes de ambos os continentes. Contudo, a base da parceria continua a assentar num enorme desequilíbrio de poder institucional. A parceria promove a prosperidade, mas a realidade de África ao longo de décadas de cooperação demonstra uma pobreza imensa[1].
É também notório o facto de a agricultura e as questões da terra não serem consideradas prioritárias. A economia rural há muito que é reconhecida como um motor crítico da redução da pobreza e a vasta diversidade de África necessita de soluções específicas para cada contexto local e de abordagens de sistemas alimentares como a agroecologia. Contudo, a estratégia atual tem-se centrado na criação de um ambiente favorável à agricultura industrial e em larga escala, promovendo a produção de monoculturas e causando danos aos ecossistemas e à saúde em África, negando aos habitantes locais os seus direitos sobre a terra.
Finalmente, são necessárias políticas transformadoras urgentes para reconstruir sociedades capazes de enfrentar crises climáticas e sanitárias através de economias que colocam verdadeiramente as pessoas e o planeta à frente dos lucros . Várias empresas europeias, ao darem prioridade aos lucros acima das preocupações sociais ou ambientais, têm-se mostrado incapazes de assegurar o respeito pela natureza, pela dignidade humana e pelos direitos humanos, e têm afetado negativamente a vida de milhões de cidadãos africanos através da exploração, da poluição, da ocupação de terras, dos despejos, do silenciamento e do assassinato de povos indígenas.
No sentido mais verdadeiro da justiça climática, estes abusos têm de acabar e os afetados têm de ser compensados.
Notas:
[1] Veja-se a declaração conjunta de uma aliança muito ampla de OSC africanas laicas e religiosas numa plataforma informal a que chamam "A Nossa Terra é a nossa Vida”.
Este artigo foi originalmente publicado na Edição da Revista da Plataforma Portuguesa das ONGD de junho de 2021 "Relações União Europeia-África: Que futuro?" Leia ou faça download da edição completa aqui.