14 jun 2022 Fonte: Revista da Plataforma Portuguesa das ONGD Temas: Setor Privado, Cooperação para o Desenvolvimento, Financiamento para o Desenvolvimento
Este artigo foi originalmente publicado na Edição da Revista da Plataforma Portuguesa das ONGD de junho de 2022 "Financiar o Desenvolvimento: Compromissos e Desafios" Leia ou faça download da edição completa da Revista aqui.
Por Grupo de Trabalho das Multilaterais*
É automática a associação dos fluxos de Financiamento ao Desenvolvimento às organizações internacionais multilaterais, sejam Bancos de Desenvolvimento, Instituições Financeiras Internacionais, União Europeia e Nações Unidas (“multilaterais”). Nas multilaterais encontramos os principais promotores de Desenvolvimento à escala global. A sociedade civil e, em particular, as organizações não governamentais de desenvolvimento (ONGD) têm também estado sempre na “linha da frente” da promoção do Desenvolvimento - seu objetivo primordial.
Já o setor privado aparece mais recentemente como um pilar essencial do Financiamento ao Desenvolvimento, em reconhecimento do papel enquanto motor do desenvolvimento económico e desejando-se que este possa ser assumido de uma forma mais preponderante e consistente para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Coordenar e potenciar sinergias e esforços entre as Multilaterais, o Setor Privado e a Sociedade Civil é essencial. As necessidades de financiamento dos países em desenvolvimento são elevadas, particularmente em infraestruturas e, por definição, de médio e longo prazo, mas os recursos disponíveis são escassos e, dada a incerteza e o risco associados aos países, dá-se preferência, muitas vezes, a utilizações de curto prazo.
Quais as mais-valias das multilaterais para fazer a “ponte” entre necessidades e recursos?
Ao nível do financiamento, o seu core business, as multilaterais permitem aceder a financiamentos: (i) em termos e condições competitivos (concessionais para os países mais pobres, vulneráveis e altamente endividados); (ii) com maturidades longas, que tornam viáveis projetos, particularmente de infraestruturas; (iii) em moeda local; (iv) quando necessário, contra-cíclico ; (v) com efeitos demonstrativos, aparecendo muitas vezes como primeiros emissores, por exemplo, de climate bonds e (vi) mobilizando outras fontes de financiamento, privadas ou públicas, que permitam viabilizar planos de financiamento e alavancar os recursos disponíveis (agenda from billions to trillions), incluindo a mobilização doméstica de recursos. A coordenação entre financiadores/doadores é, neste quadro, absolutamente essencial.
Para além de financiamento, e com igual ou maior importância, as multilaterais (vii) atuam como agentes mitigadores de riscos (entre eles, regulatório, creditício, político ou cambial); (viii) apoiam a preparação dos projetos e a capacitação dos recursos humanos e institucionais locais; (ix) disseminam conhecimento; promovem de bens públicos globais, como o clima, biodiversidade e igualdade de género; e (x) atuam de honest broker, central para o diálogo de política e promoção de projetos regionais. As multilaterais contribuem para uma melhoria do ambiente de negócios em geral.
As Multilaterais são Atores Centrais
A aproximação das empresas às multilaterais é um fator muito relevante para que incorporem nas suas estratégias e projetos as práticas e os objetivos que conduzem ao Desenvolvimento.
Tal aproximação não deve e não tem de ser pela necessidade de obter financiamento. Porém, esse será sempre um aspeto que poderá promover esse relacionamento.
Quando questionamos as empresas sobre as principais dificuldades no acesso a financiamento das multilaterais, estes são os principais fatores apontados: a falta de informação sobre os instrumentos e facilidades disponíveis, a dificuldade na identificação dos interlocutores, , a complexidade do processo, a dimensão dos projetos financiados pelas multilaterais (ser superior ao do investimento previsto), ter conhecimento técnico insuficiente para preparação do dossier e a morosidade do tempo de aprovação.
Mas, para o setor privado, não será apenas uma questão de disponibilidade de fundos. Muitos são os fatores que podem levar uma empresa a investir e apostar num país e num projeto. A maioria desses fatores prende-se com o modelo de gestão económico-financeira vigente. Como tal, havendo a decisão de investir levanta-se ainda a questão se e como os investimentos contribuem e estão alinhados com os objetivos sustentáveis.
Como promover investimentos sustentáveis? Existem atualmente os estímulos adequados?
Com o seu enfoque em Desenvolvimento e uma perspetiva de longo prazo, as multilaterais são os parceiros ideais para promover projetos sustentáveis, resilientes, com qualidade e com impacto. A agenda de ação climática e sustentabilidade é um elemento central das suas estratégias e planos operacionais. Todas as multilaterais definiram metas ambiciosas de apoio à luta contra as alterações climáticas, financiamento verde, e alinhamento com o Acordo de Paris. E estes objetivos traduzem-se no tipo de projetos que estas procuram financiar.
Os próprios conceitos, princípios, taxonomia e instrumentos associados a investimentos sustentáveis e aos temas ambientais, sociais e de governança (ESG – Environmental, Social and Governance) são algo cada vez mais relevante e, em certa medida, ainda em evolução. E estas considerações permeiam os critérios de elegibilidade e de avaliação dos projetos.
Para maior detalhe sobre esta temática, remete-se, por exemplo, para os links:
- OECD Guidelines for Multinational Enterprises
- União Europeia - Finanças Sustentáveis
- Operating Principles for Impact Management
A forte agenda de sustentabilidade das multilaterais abre uma janela de oportunidade para as empresas, bancos e ONGD europeias, dado o seu know-how. As próprias multilaterais têm vindo a reforçar o seu relacionamento com ONGD, por exemplo através dos processos de consulta pública das suas políticas e projetos.
As empresas podem viabilizar a realização e a manutenção a médio e longo prazo de projetos de ongd, e vice-versa.
Para concluir, será importante referenciar que as parcerias entre empresas e ONGD poderão ser fundamentais para o cumprimento de critérios que já são, e serão, exigidos a projetos e investimentos, designadamente para o acesso a concursos e financiamento. Por exemplo, uma empresa aporta os seus produtos ou serviços e/ou investimentos e, por seu lado, a ONGD traz as suas valências nas áreas sociais e/ou a proximidade com a realidade e populações locais.
*O Grupo de Trabalho das Multilaterais é uma parceria entre a aicep Portugal Global e o GPEARI do Ministério das Finanças, que promove a participação dos agentes nacionais no mercado das multilaterais. Para mais informações e esclarecimentos: gt.multilaterais@portugalglobal.pt.