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11 nov 2020 Fonte: Revista da Plataforma Portuguesa das ONGD Temas: Alterações climáticas e ambiente

Este artigo foi originalmente publicado na Edição da Revista da Plataforma Portuguesa das ONGD de outubro de 2020 "Perspetivas para o Futuro da Cooperação Portuguesa". Leia ou faça download da edição completa aqui.

 

Autora: Ana Patrícia Fonseca, Coordenadora Departamento de Educação para o Desenvolvimento e Advocacia Social na FEC

Onde estamos? Para onde queremos ir? Como lá chegar? Estas eram as três perguntas base do chamado Diálogo de Talanoa da Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas[1] (na sigla inglesa, UNFCCC), um dos instrumentos utilizados na preparação dos compromissos climáticos que cada país deveria adotar em 2020. O mundo, entretanto, parece suspenso. Impõe-se, por isso, repetir com firmeza: Onde estamos? Para onde queremos ir? Como lá chegar? 

No Acordo de Paris, aprovado em 2015, quase todos os países assumiram o compromisso de manter o aumento médio da temperatura abaixo dos 2º C, em comparação com os níveis pré industriais, prosseguindo esforços para limitar preferencialmente esse aumento abaixo dos 1,5º C.

Os últimos relatórios divulgados pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP)[2], Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC)[3] e Organização Mundial de Meteorologia (WMO)[4] traduzem a insuficiência das respostas da comunidade internacional e mostram quão longe estamos da trajetória desejável. As atuais Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC)[5] – os compromissos climáticos assumidos por cada país - representam apenas um terço da redução de emissões necessária para limitar o aquecimento a 1,5° C. Com as atuais metas definidas, o mundo caminha para um aumento de temperatura de 3,2° C. Será necessário reduzir as emissões globais em 7,6% em cada ano, durante a próxima década, para impedir o aumento da temperatura em 1,5° C até ao final do século.

Entretanto, em dezembro de 2019, a Comissão Europeia apresentou o Pacto Ecológico Europeu[6] (European Green Deal), como resposta a estes desafios. Procurando colocar a Europa na frente do combate mundial às alterações climáticas e na liderança de um novo modelo de crescimento económico, a nova estratégia aponta para uma economia competitiva e eficiente na utilização dos recursos, prevê alcançar a neutralidade carbónica até 2050 e integra o plano europeu para a implementação dos ODS.

Em Portugal, o Roteiro de Neutralidade Carbónica[7] alinha com os objetivos do Acordo de Paris e posiciona o país como um dos mais ambiciosos a nível internacional no cumprimento desta meta.

No cenário internacional, a Cooperação Portuguesa pode (e deve) ter uma posição de destaque no combate às alterações climáticas. 

Entre avanços e recuos, críticas e concordâncias, os acordos, pactos e roteiros - nacionais e internacionais - procuram responder às duas primeiras perguntas de Talanoa: Onde estamos? Para onde queremos ir? Voltemos à terceira: como lá chegar? No cenário internacional, a Cooperação Portuguesa pode (e deve) ter uma posição de destaque no combate às alterações climáticas.  A elaboração, em curso, de um novo Conceito Estratégico da Cooperação Portuguesa afigura-se como a oportunidade de Portugal afirmar que estamos perante um problema de justiça climática, para o qual tem uma visão clara de como o enfrentar. “A crise climática perpetua sistemas económicos, sociais e políticos desiguais.”[8] Os países que menos contribuíram para as alterações climáticas, e que têm menos responsabilidades históricas na ampliação fenómeno, são atualmente os mais afetados pelos seus efeitos , muitos deles países parceiros de Portugal. 


Os países que menos contribuíram para as alterações climáticas, e que têm menos responsabilidades históricas na ampliação fenómeno, são atualmente os mais afetados pelos seus efeitos 

Na resposta à terceira pergunta de Talanoa – Como lá chegar? – ensaiamos algumas propostas que o novo Conceito Estratégico da Cooperação Portuguesa deve integrar, para garantir a justiça climática juntos dos países parceiros:

  1. Articulação entre as diferentes agendas, em especial as do ambiente e desenvolvimento sustentável;
  2. Transversalidade da questão climática em todos os setores de atuação, garantindo uma ação coordenada e o financiamento adequado;
  3. Garantia de que o financiamento climático é assegurado por fundos novos e adicionais, não colocando em risco o orçamento da Ajuda Pública ao Desenvolvimento para os setores sociais nos países mais pobres;
  4. Implementação de estratégias de cooperação que concretizem de forma coerente planos de adaptação e mitigação nos países em desenvolvimento; 
  5. Apoio à mitigação, adaptação, financiamento e transferência de tecnologia para os países mais afetados
  6. Incentivo à prática e à partilha de alternativas locais que influenciem políticas catalisadoras de mudanças sistémicas
  7. Prossecução, de forma articulada e integrada, das estratégias nacionais de educação para o desenvolvimento, educação ambiental e educação cívica, protagonizando e mobilizando estilos de vida e políticas mais justas e sustentáveis.

Travar as alterações climáticas é, acima de tudo, uma questão de justiça e respeito pelos direitos humanos. Sabemos que são os países, as comunidades e as pessoas mais vulneráveis que mais sofrem com os seus efeitos, mas os que menos contribuem para o fenómeno. É nosso dever e responsabilidade incluir a luta pela justiça climática nas estratégias nacionais de cooperação com países parceiros , das quais o Conceito Estratégico da Cooperação Portuguesa é o documento orientador. O que aqui vier a ser desenhado deve responder com clareza às três questões de Talanoa: Onde estamos? Para onde queremos ir? E, sobretudo, como lá chegar?
 

[1] UNFCCC: United Nations Framework Convention on Climate Change
[2] https://www.unenvironment.org/news-and-stories/press-release/cut-global-emissions-76-percent-every-year-next-decade-meet-15degc

[3] https://www.ipcc.ch/srocc/; https://www.ipcc.ch/srccl/
[4] https://library.wmo.int/index.php?lvl=notice_display&id=21609#.XefvqHd2vIW
[5] Contribuições nacionais para o Acordo de Paris em tempo real: http://cait.wri.org/indc/
[6] https://ec.europa.eu/info/sites/info/files/european-green-deal-communication_en.pdf
[7] https://descarbonizar2050.pt/roteiro/
[8] CIDSE, A Urgência das Alterações Climáticas – rumo a um novo paradigma, 2018, Bruxelas

Este artigo foi originalmente publicado na Edição da Revista da Plataforma Portuguesa das ONGD de outubro de 2020 "Perspetivas para o Futuro da Cooperação Portuguesa". Leia ou faça download da edição completa aqui.

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