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22 nov 2023 Fonte: REVISTA DA PLATAFORMA PORTUGUESA DAS ONGD Temas: Economia solidária / alternativa / Microcrédito, Advocacia Social e Política

Este artigo foi originalmente publicado na Edição da Revista da Plataforma Portuguesa das ONGD de novembro de 2023 "Economia, pessoas e planeta: que alternativas para o bem-estar" Leia ou faça download da edição completa da Revista aqui.

Por: Susana Fonseca, Vice-presidente da ZERO.

Qual deve ser o propósito da Economia e o objetivo do investimento público? Promover o bem-estar de todos e do planeta ou reagir a problemas imediatos, mas, em larga medida, evitáveis?

O modelo económico preponderante, assente no objetivo do crescimento contínuo, tem consequências negativas diretas na sociedade e no ambiente expressas, por exemplo, na desigualdade social crescente e persistente, no sentimento de insegurança, no desrespeito pelos direitos humanos, nas alterações climáticas, ou na perda da biodiversidade. O avanço de movimentos extremos é também um reflexo de um modelo económico que tende a acumular riqueza em alguns pontos da sociedade, mas que não tem conseguido responder às expetativas de prosperidade e bem-estar de uma parte significativa da população.

A Economia do Bem-Estar procura estratégias a montante, desenhadas especificamente para responder às necessidades fundamentais e prioridades das pessoas, em vez de apostar em investimentos a jusante, com o objetivo de resolver ou minimizar os impactos negativos decorrentes de uma Economia focada no modelo atual de crescimento.

Promover uma Economia do Bem-Estar pode e deve ser um objetivo de cada país, no caminho para proporcionar uma sociedade mais justa a todos os cidadãos e cidadãs. Alguns países, entre eles a Escócia, a Nova Zelândia ou a Islândia, já estão a construir o seu caminho, pelo que a ZERO ambiciona que Portugal possa percorrer um caminho semelhante. É sabido que não podemos fazer mais do mesmo e esperar resultados diferentes. Para resolver os grandes dilemas do presente temos de ter a audácia de fazer diferente!

Partindo deste enquadramento a ZERO, enquanto membro da Wellbeing Economy Alliance: WEAll (uma colaboração global de organizações, movimentos, alianças e pessoas que trabalham pela Economia do Bem-Estar) e do Hub Ibérico da Weall (HUBIberia), desenvolveu um conjunto de iniciativas para dar um impulso inicial a este processo.

Considerando que a participação é um dos elementos estruturais da Economia do Bem-Estar, assegurar que diferentes visões e perspetivas são incluídas na discussão desde o primeiro momento é essencial. Neste contexto, e após a organização de uma conferência internacional sobre o tema em 2020, avançamos para a organização de quatro workshops participativos entre outubro e novembro de 2021, que tiveram lugar virtualmente e envolveram 50 participantes em representação de 31 entidades de diferentes quadrantes da sociedade portuguesa.

Destes workshops resultou uma visão de futuro co-construída para Portugal em 2040 (documentada no relatório – Economia do Bem-Estar – Uma visão para Portugal em 2040):

“Em 2040 queremos que Portugal seja um país no qual todos possam viver vidas saudáveis e realizadas, independentemente de quem sejam ou de onde vivam e onde as decisões são participadas, inclusivas e transparentes. Que as pessoas vivam dignamente, conectadas e em harmonia com a natureza, reconhecendo e respeitando as interdependências e os limites. Que haja um sentido de comunidade, prosperidade e coesão em todas as regiões e respeito entre todos (gerações presentes e futuras) no nosso território e além-fronteiras.”

Esta visão captura as principais dimensões identificadas como estruturais para construir uma Economia do Bem-Estar, nomeadamente a dignidade, a conexão com os outros e com a natureza, a justiça, a equidade, bem como a participação. Mas a dimensão externa - os impactos das nossas ações e decisões, enquanto país, noutras pessoas e no planeta para além das nossas fronteiras – não foi esquecida, tendo sido sublinhada a importância de garantir a equidade intergeracional (futuro) e intrageracional (presente).

Para além da construção desta visão, foram também identificados eixos estratégicos fundamentais para que a concretização desta visão. São eles: organização da sociedade; educação e capacitação; economia; trabalho; instrumentos financeiros; saúde; energia; edifícios e mobilidade; e recursos naturais e território. Dado que para cada um destes eixos estratégicos foram identificados, entre outros aspetos, possíveis dimensões a medir, a ZERO levou a cabo uma primeira avaliação de um conjunto de indicadores relacionados com cada um dos diferentes eixos estratégicos.

Para cada um destes oito eixos foram analisados indicadores que, de uma forma aproximada, conseguem dar uma imagem do desempenho de Portugal, ainda que, uma das dificuldades sentidas tenha sido o facto de várias dimensões consideradas importantes para avaliar o Bem-Estar de uma sociedade, não estarem ainda a ser seguidas através de indicadores formais.

De uma forma global, podemos dizer que o desempenho de Portugal deixa muito a desejar em todos os eixos estratégicos, onde há ainda muito a fazer, seja na componente do combate às múltiplas desigualdades – de rendimento, de género, de acesso à informação, à educação, à saúde e à qualidade de vida – seja no estímulo a um modelo económico diferente, onde outras formas de economia - locais, sustentáveis, partilhadas, inclusivas - são potenciadas.

Também ao nível da eficiência e circularidade no uso dos recursos/materiais, Portugal situa-se muito abaixo da média da União Europeia, o que deixa a nossa economia ainda mais exposta à volatilidade dos mercados internacionais. O facto de, não obstante termos já um bom desempenho em termos de penetração das energias renováveis no consumo final de energia (34%), mantermos ainda uma fortíssima dependência energética do exterior, apenas vem reforçar a necessidade de o país reforçar a sua resiliência a crises através da aposta em energias renováveis, associada à eficiência no uso de todos os recursos e à promoção da sua circularidade.

Operar as mudanças necessárias para melhorar o desempenho de Portugal e garantir que vivemos dentro dos limites planetários não é uma tarefa simples e necessitará de muito diálogo, flexibilidade e, como sublinhado ao longo do processo participativo, de uma “cultura de trabalho em parceria”. Mas uma sociedade mais justa, equitativa e próspera pode e deve ser incentivo suficiente para substituirmos o medo e a dúvida pela audácia e a confiança rumo a uma sociedade assente numa economia do Bem-Estar.

Acompanhe o nosso Trabalho.

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