04 dez 2023 Fonte: REVISTA DA PLATAFORMA PORTUGUESA DAS ONGD Temas: Educação para o Desenvolvimento e a Cidadania Global, Economia solidária / alternativa / Microcrédito, Advocacia Social e Política
Este artigo foi originalmente publicado na Edição da Revista da Plataforma Portuguesa das ONGD de novembro de 2023 "Economia, pessoas e planeta: que alternativas para o bem-estar" Leia ou faça download da edição completa da Revista aqui.
Por: CIDAC - Centro de Intervenção para o Desenvolvimento Amílcar Cabral
Numa sessão de avaliação que concluía um ciclo formativo levado a cabo pelo CIDAC no quadro da Unidade Curricular de Educação para o Desenvolvimento da ESE de Lisboa, uma estudante da licenciatura de Educação Básica confessou “nunca pensei que alguma vez na minha vida poderia pronunciar-me sobre assuntos económicos!”
Este episódio, por anedótico que possa parecer, é paradigmático de uma realidade que a nossa experiência de trabalho em Educação para o Desenvolvimento com o grande público (em seminários, na loja de Comércio Justo, etc.) ou com grupos específicos, como professores/as e estudantes, evidencia cada vez mais: as pessoas sentem-se como não-aptas ou ilegítimas para pensarem, para se pronunciarem ou agirem sobre questões económicas. Considerando, inclusive, o sistema económico dominante como norma inultrapassável ou não questionável. Desta experiência, em especial no quadro do movimento do Comércio Justo em Portugal, percebemos também que o nível de produção de conhecimento, de reflexão, e de consciencialização sobre a justiça económica tem decrescido consideravelmente para uma fase muito deficitária. A produção de informação e de conhecimento neste campo encontra-se, regra geral, nos centros de investigação dedicados à economia do desenvolvimento ou a áreas afins, sem chegar à sociedade mais alargada, nem aos públicos alvo de ações de Educação para o Desenvolvimento.
Sendo a economia uma dimensão que pesa fortemente sobre a vida das pessoas, das sociedades e dos ecossistemas, consideramos que é fundamental que os cidadãos e as cidadãs possam dispor de chaves de descodificação para entenderem melhor esta realidade complexa e tenham acesso ao vasto campo de alternativas, isto é, de experiências de alteridade em relação ao modelo económico dominante, que têm sido construídas um pouco por todo o mundo, desde o final dos anos 60 (ou, às vezes, muito antes!) até à presente data: Comércio Justo, moedas locais, grupos de consumo, sistemas não-monetarizados e de troca direta, circuitos curtos e Associações para a Manutenção da Agricultura de Proximidade – AMAP, economia solidária, finança ética, cooperativismo, decrescimento, buen vivir, ecofeminismo…
No substrato destas constatações, que se tornaram preocupações, germinou a ideia de criar uma publicação periódica que possa contribuir para a democratização do pensamento económico e uma maior mobilização da sociedade portuguesa contra as injustiças económicas locais e globais. Esta ideia inscreve-se também numa longa tradição de edição de publicações periódicas do CIDAC, desde a sua proto-história (o Boletim Anti-Colonial) até a sua institucionalização, através de revistas como África em Luta, Terra Solidária ou NortiSul, publicadas entre os anos 1970 e 1980. Inscreve-se também numa dinâmica muito estimulante de edição de revistas por parte de ONGD, que partilham a necessidade de análise crítica da realidade, como a Mundo Crítico - Revista de Desenvolvimento e Cooperação, editada pela ACEP, em parceria com o CEsA - Centro de Estudos sobre África e Desenvolvimento do Instituto Superior de Economia e Gestão, da Universidade de Lisboa, desde 2018, ou a Sinergias - Diálogos educativos para a transformação social editada pela Fundação Gonçalo da Silveira e o Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto – CEAUP, desde 2014, ou ainda a presente revista da Plataforma das ONGD.
Nasce assim, em setembro de 2023, a revista Outras Economias, com a proposta de um outro olhar sobre a economia. Através desta publicação, pretende-se produzir, coligir, traduzir e difundir informações, reflexões e ferramentas que permitam entender melhor o sistema económico vigente e os seus impactos sobre a vida das pessoas e o meio ambiente, no Norte e no Sul geopolíticos, favorecendo o espírito crítico e posicionamentos e práticas individuais e coletivas solidárias, a nível local e global. A Outras Economias não tem como foco a atualidade imediata, privilegiando abordagens mais amplas e analíticas que permitam, sim, descodificar a atualidade. Neste sentido, adota um formato temático para cada uma das suas edições, explorando de maneira aprofundada e multifacetada cada uma das temáticas escolhidas.
Em coerência com o seu foco, a revista adotou uma forma de edição colaborativa, associando ao Conselho Editorial de cada número pessoas ou organizações ligadas à temática tratada, contando no número 1 – “EconomiaS no plural” – com o contributo do GRAAL e da Rede para o Decrescimento.
A dimensão colaborativa abrange também quem irá ler a revista, através de canais de comunicação que permitem reações e críticas, e de sessões de encontro com os/as leitores/as, que possibilitem aprofundar debates e melhorar a nossa abordagem editorial. A revista prevê também propostas pedagógicas destinadas a educadoras/es do setor formal ou não-formal de modo a que a publicação possa ser um ponto de partida para outros percursos, noutros contextos.
Colocar o bem-estar, a justiça social, a dignidade, o respeito pelo meio ambiente no centro da reflexão sócio-económica, encerra a esperança que de palavras e debates se faça ato. Implica de facto descortinar o modelo hegemónico que nos cerca, permitir uma reapropriação popular do económico, mas sobretudo, implica construir algo novo, coletivamente, provavelmente nas margens deste sistema que mercantiliza todas as dimensões da vida. Resistir e construir…
A revista Outras Economias é uma publicação digital multimédia quadrimestral, em Português, sobre economia e alternativas económicas. Conta com o apoio do Camões – Instituto da Cooperação e da Língua. Pode ser lida aqui, não hesite em subscrever!