06 jul 2021 Fonte: Revista da Plataforma Portuguesa das ONGD Temas: Sociedade Civil, Advocacia Social e Política
Este artigo foi originalmente publicado na Edição da Revista da Plataforma Portuguesa das ONGD de junho de 2021 "Relações União Europeia-África: Que Futuro?" Leia ou faça download da edição completa da Revista aqui.
Vitalice Meja, Diretor Executivo da Reality of Aid Africa
A Parceria África-UE é o canal político formal através do qual a União Europeia (UE) e o continente africano trabalham em conjunto, mantêm diálogos políticos e sobre políticas e definem a sua relação de cooperação. Foi estabelecida em 2000 na primeira Cimeira África-UE, que teve lugar no Cairo. A parceria é orientada pela Estratégia Conjunta África-UE, que foi adotada na segunda Cimeira UE-África, em Lisboa, em 2007.
O objetivo declarado da parceria é lutar para aproximar África e Europa através do reforço da cooperação económica e da promoção do desenvolvimento sustentável, com ambos os continentes a coexistirem em paz, segurança, democracia, prosperidade, solidariedade e dignidade humana.
A parceria assenta numa Estratégia Conjunta África-UE (JAES) que estabelece a intenção de ambos os continentes de avançar para além de uma relação doador/recetor em direção a uma cooperação a longo prazo assente em interesses mútuos e complementares identificados em conjunto. Baseia-se em princípios de apropriação, parceria e solidariedade e a sua adoção marca uma nova fase nas relações África-UE. A estratégia é implementada através de roteiros e planos de ação plurianuais. A última declaração foi adotada na 5.ª Cimeira UA-UE, que teve lugar em 29-30 de novembro de 2017 em Abidjan, na Costa do Marfim, sob o tema central de "Investir na juventude para um futuro sustentável", onde os líderes africanos e da UE definiram quatro novas prioridades conjuntas para 2018 e para o futuro. As suas principais prioridades incluem o investimento nas pessoas através da educação, ciência, tecnologia e desenvolvimento de competências, reforço da resiliência, paz, segurança e governação, mobilização de investimentos para a transformação estrutural e sustentável de África e migração e mobilidade. Está previsto que estas prioridades sejam revistas na próxima cimeira África - UE.
A parceria atual entre a União Europeia e o continente africano é entusiasmante, mas ao mesmo tempo surpreendente. De um lado, temos um parceiro organizado institucionalmente e assente numa forte capacidade técnica, financeira e política, do outro, temos um continente que carece de todos estes elementos. Temos um continente cujo interesse coletivo está, por vezes, em conflito com os interesses nacionais dos seus membros.
Ao nível dos cidadãos, nenhum dos intervenientes desta parceria conseguiu reconhecer os papéis e responsabilidades dos seus cidadãos na parceria . Ambos colocaram os cidadãos e as suas Organizações na periferia da parceria, o que não é de admirar, pois embora as estratégias pareçam sólidas e sensatas, a sua definição e aplicação são ainda fortemente orientadas pelos Estados e desenvolvidas a um alto nível. No fundo, acabaram por alienar as pessoas da parceria em vez de as trazer para o centro da mesma. É com tudo isto em mente que uma nova parceria África - UE é importante e necessária. Esta parceria tem de ter uma apropriação democrática, que inclua os cidadãos, tem de ser transparente e responsável e centrar-se nos resultados para as populações tanto de África como da Europa.
nenhum dos intervenientes desta parceria conseguiu reconhecer os papéis e responsabilidades dos seus cidadãos na parceria
Embora tanto a UE como os Estados africanos devam ser elogiados por terem iniciado esta parceria, chegou o momento de a promover junto dos seus povos e de os fazer sentir parte da mesma. A parceria deve passar de ser um projeto de políticos e tecnocratas para se basear em princípios e valores veiculados e promovidos pelos cidadãos. A este respeito, tanto a União Africana como a União Europeia devem criar quadros e mecanismos de envolvimento dos seus cidadãos em assuntos relativos à parceria, bem como nas suas prioridades. Embora a União Europeia tenha uma história de envolvimento estrutural dos seus cidadãos através das suas OSC, o mesmo não se pode dizer da União Africana no que diz respeito especificamente à parceria. No entanto, é preocupante que tanto a União Africana como a União Europeia não disponham de mecanismos e quadros para envolver os seus Cidadãos nos assuntos e prioridades da parceria. Como tal, as prioridades atualmente em implementação são um produto de negociações políticas entre a classe política e os tecnocratas, com pouca ou nenhuma contribuição dos cidadãos. É necessário um compromisso estruturado e institucionalizado com as OSC para colmatar esta lacuna e colocar as pessoas no centro da parceria. Este compromisso não só enriquecerá as discussões como também aproximará a parceria das pessoas.
Esta parceria tem de ter uma apropriação democrática, que inclua os cidadãos, tem de ser transparente e responsável e centrar-se nos resultados para as populações tanto de África como da Europa
Para além da necessidade de um envolvimento mais deliberado das OSC através da criação de espaços e processos, há também a necessidade de permitir tais processos através da reforma do quadro legal e regulamentar da parceria, reservando recursos financeiros para permitir que as OSC participem nas suas iniciativas, bem como para reforçar a sua capacidade de desempenhar o seu papel. A parceria carece ainda de um ambiente político e de políticas que permita a concretização de todos os aspetos atrás referidos. O objetivo de envolver as OSC é, na verdade, um meio para atingir um fim. O propósito é democratizar os processos e assegurar a apropriação pelos cidadãos no estabelecimento de prioridades e no desenvolvimento da estratégia de adesão.
As prioridades identificadas na atual estratégia conjunta sublinham a necessidade de uma parceria África - União Europeia inclusiva. A importância dada à educação, ao desenvolvimento de competências e a outras prioridades implicará o envolvimento de outros intervenientes, designadamente instituições de formação técnica e profissional, indústrias, organizações da sociedade civil, partidos políticos, etc. É crucial que a parceria atual compreenda as necessidades e as perspetivas de todas as partes interessadas da sua sociedade. Essa compreensão será fundamental para o sucesso das iniciativas emergentes da parceria. A parceria deve procurar compreender que questões são importantes agora para todas as partes interessadas da sua sociedade, bem como o que precisa de ser posto em prática para as resolver. Isto só poderá acontecer se houver uma mudança na forma como a parceria atual é concebida - de cima para baixo - dos políticos para o beneficiário.
Na revisão antecipada da estratégia conjunta, será importante que os proponentes desta parceria façam os seus trabalhos de casa e conheçam a abordagem de toda a sociedade - uma abordagem em que todos os atores fazem parte da implementação do quadro e do plano de ação da parceria. É importante que a parceria seja sensível e respeite as necessidades e perspetivas de outros intervenientes e esteja atenta às dinâmicas de poder em jogo, além de criar um ambiente acolhedor para todos os intervenientes, especialmente para a sociedade civil.
A responsabilização para com as pessoas não faz parte do ADN da parceria
No centro da apropriação e de uma parceria inclusiva está a responsabilidade para com as pessoas. O atual quadro de parceria não tem mecanismos de prestação de contas perante os cidadãos de África e da Europa. A responsabilização para com as pessoas não faz parte do ADN da parceria. De facto, a prestação de contas foi reduzida a um exercício técnico de avaliação e produção de relatórios de várias iniciativas da parceria. É necessária uma mudança do atual quadro de prestação de contas para uma responsabilização interna em que tanto a União Africana como a União Europeia prestem contas perante os seus próprios contribuintes e cidadãos através de diferentes canais de governação como parlamentos, órgãos de supervisão independentes, OSC e meios de comunicação social. Devem também assegurar que são igualmente responsáveis pelos seus compromissos de parceria - compromissos para com o outro e para com a sociedade civil. Neste contexto, a parceria terá de abordar as relações de poder assimétricas que existem atualmente e criar um quadro de responsabilização.
Acima de tudo, a essência da parceria será produzir resultados positivos para as populações de África e da Europa. A parceria deve concentrar-se em demonstrar impacto nas áreas prioritárias que selecionou antes de avançar para outra etapa.
Este artigo foi originalmente publicado na Edição da Revista da Plataforma Portuguesa das ONGD de junho de 2021 "Relações União Europeia-África: Que Futuro?" Leia ou faça download da edição completa da Revista aqui.