20 nov 2023 Fonte: REVISTA DA PLATAFORMA PORTUGUESA DAS ONGD Temas: Advocacia Social e Política, Economia solidária / alternativa / Microcrédito
Este artigo foi originalmente publicado na Edição da Revista da Plataforma Portuguesa das ONGD de novembro de 2023 "Economia, pessoas e planeta: que alternativas para o bem-estar" Leia ou faça download da edição completa da Revista aqui.
Por: Stewart Wallis - Presidente e Cofundador, Wellbeing Economy Alliance
Com este pequeno artigo, pretendemos explicar por que razão o nosso sistema económico atual deve ser alterado, descrever os fundamentos de uma alternativa radical que está rapidamente a ganhar força – a Economia do Bem-Estar, mostrar o que é necessário para que esta mudança aconteça e abordar brevemente o que já foi alcançado pelos membros da Aliança da Economia do Bem-Estar (WEAll).
Por que razão é necessária uma mudança do sistema económico?
O nosso sistema económico atual está orientado para o crescimento, o lucro e a acumulação. Demasiadas vezes, este crescimento tem sido feito à custa do bem-estar das pessoas e do planeta. O nosso sistema económico tem quatro falhas sistémicas e interligadas. É insustentável, injusto, instável e gera infelicidade (com demasiadas pessoas deixadas para trás e que não se sentem valorizadas ou valiosas). Além disso, é um sistema em que já nem o "travão" nem o "acelerador” funcionam. Pretender um crescimento mais rápido do PIB dentro do sistema atual (mesmo que seja possível), com vista a criar bons meios de subsistência, necessários em todo o mundo, e a nivelar as sociedades entre si e no seu interior, conduzirá a um agravamento da perda da biodiversidade e a uma aceleração das alterações climáticas, ao passo que pretender um crescimento zero ou negativo dentro do sistema atual agravará ainda mais a desigualdade, a pobreza e as convulsões sociais.
Porquê uma Economia do Bem-Estar e em que consiste?
Ao transformarmos o nosso modelo económico atual em sistemas económicos de Bem-Estar determinados localmente, atacamos diretamente os problemas subjacentes ao sistema existente.
Uma Economia do Bem-Estar é uma economia concebida para proporcionar qualidade de vida e prosperidade a todas as pessoas, em harmonia com o ambiente. Coloca as cinco necessidades fundamentais das pessoas e do planeta no centro das suas atividades (ver Figura 1), garantindo que todas elas são igualmente satisfeitas à primeira.
Enquanto as Necessidades explicam "qual é a visão", os Testes Práticos descrevem "como saber que lá chegámos", oferecendo indicadores claros e mensuráveis dos resultados a alcançar.
Mas como é que lá chegamos? Os 4 Ps (ver Figura 2) resumem o conjunto macro de mudanças de políticas/práticas que temos de reunir, como os cantos de um puzzle, para criar uma Economia do Bem-Estar.
Figura 1
Figura 2
- Propósito da economia: proporcionar o bem-estar humano e ecológico. Por exemplo, um conjunto mais vasto de medidas de sucesso do que o PIB e planos de desenvolvimento nacional visionários.
- Prevenção: não se contentar apenas em reparar o mal causado, mas evitar que o mal aconteça logo à partida. Por exemplo, os orçamentos por resultados e a produção e o consumo circulares.
- Pré-distribuição: a economia ser capaz de fazer a maior parte do trabalho pesado em termos de obtenção dos resultados de que as pessoas e o planeta necessitam. Por exemplo, empresas sociais e empresas detidas pelos trabalhadores, criação de riqueza comunitária e salários dignos.
- Pessoas no centro da decisão: garantir que as pessoas participam nas decisões e na definição da agenda. Por exemplo, as assembleias de cidadãos/ãs e os orçamentos participativos.
A Economia do Bem-Estar continua a ser um sistema de economia mista (com atores fortes no Estado, no setor privado e no terceiro sector), mas que funciona com um conjunto muito diferente de objetivos, valores, instituições e incentivos. Além disso, não só são necessárias políticas diferentes, como a elaboração de políticas deve ser feita de forma diferente, com um elevado envolvimento dos cidadãos e cidadãs ao longo de todo o ciclo das políticas públicas – desde a definição da agenda até à tomada de decisões, ao acompanhamento e à avaliação.
Não existe um modelo único para uma Economia do Bem-Estar. A configuração, as instituições e as atividades que nos levam até lá poderão ser diferentes, tanto entre países como entre diferentes comunidades dentro dos países.
Existem também outros nomes e estratégias para sistemas económicos alternativos que adotam versões diferentes do quadro de Necessidades e Testes Práticos da Economia do Bem-Estar, tais como “economia donut”, economia regenerativa, decrescimento, Buen Vivir e Ubuntu, e nós colaboramos e navegamos pelo meio destas visões semelhantes, com muitos destes movimentos a integrarem já a rede e a aliança da WEAll. Podem assentar em abordagens, linguagens e modelos diferentes, mas todas elas partilham um objetivo comum: o bem-estar para todos/as, num planeta saudável.
Como podemos mudar o sistema económico?
As evidências sobre a forma como os sistemas complexos se alteram mostram que são necessárias duas alterações interligadas:
- A cocriação e difusão de novas narrativas poderosas sobre a forma como vivemos em conjunto, centradas na mudança para um Sistema Económico de Bem-Estar (ou equivalente).
- A criação de uma nova base de poder de vanguarda ou de um movimento global que procure uma mudança de sistema em todos os setores, a todos os níveis (da base para o topo e vice-versa) e em todas as geografias (local, regional, nacional e global). Para tal, é necessária uma colaboração radical de milhares de organizações e a mobilização de milhões de cidadãos e cidadãs.
O papel da Aliança para a Economia do Bem-Estar (WEAll)
A WEAll é uma colaboração que lidera organizações, alianças, movimentos e indivíduos que trabalham para apoiar as duas mudanças acima referidas.
A WEAll opera da seguinte forma:
- Apoia e liga pessoas e organizações de todo o mundo que trabalham com modelos e práticas económicas alternativas e que, em conjunto, têm o poder de mudar o sistema económico global atual.
- Cocria e partilha recursos que demonstram que uma abordagem da Economia do Bem-Estar é possível e que existem várias soluções que já estão a ser implementadas em todo o mundo.
- Desafia as nossas narrativas culturais e as nossas formas de pensar sobre o futuro económico, ajudando a mobilizar milhões de pessoas para agirem a nível individual, comunitário e sistémico.
Nos cinco anos que decorreram desde a sua criação, a WEAll:
- Ultrapassou a barreira das 400 organizações, movimentos e coligações e dos milhares de membros individuais em todo o mundo.
- Ajudou a catalisar polos na Escócia, Nova Zelândia, Canadá, País de Gales, Califórnia, Irlanda, Países Baixos, Dinamarca, Península Ibérica, Brasil e Argentina, estando em curso a formação de mais 15 polos noutros países e nos EUA. Estes polos são intersectoriais e multiníveis, envolvendo muitas outras organizações (e indivíduos) para além dos 400 membros globais da WEAll.
- Catalisou e lançou a parceria dos Governos para a Economia do Bem-Estar, constituída pela Nova Zelândia, Islândia, Escócia, Finlândia, País de Gales e Canadá (com vários outros países a explorarem a possibilidade de aderir). Esta iniciativa é fortemente apoiada pelos Primeiros-Ministros destes países.
- Promoveu com sucesso a ideia de uma Economia do Bem-Estar nos principais meios de comunicação social e nas redes sociais em todo o mundo, para além de ter feito apresentações a uma grande variedade de públicos. A WEAll tem atualmente mais de 90 porta-vozes e embaixadores.
- Em conjunto com os mais de 120 membros académicos da WEAll, cocriou mais de 20 documentos informativos e guias sobre diferentes aspetos da economia do bem-estar.
O Futuro
A dimensão da tarefa que temos diante de nós é imensa, mas os últimos cinco anos mostraram o que pode ser conseguido através de uma colaboração radical e do amor e cuidado de uns pelos outros. O sistema económico que temos atualmente é uma construção humana e pode e será alterado se trabalharmos em conjunto.
Tradução por: Traversões, Serviços Linguísticos, LDA