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10 jul 2021 Fonte: Revista da Plataforma Portuguesa das ONGD Temas: Migrações e Refugiados

_ Uganda | Tommy Trenchard For Caritas

Este artigo foi originalmente publicado na Edição da Revista da Plataforma Portuguesa das ONGD de junho de 2021 "Relações União Europeia-África: Que Futuro?" Leia ou faça download da edição completa da Revista aqui.

 

Autora: Luísa Fondello, Oficial de Cooperação Internacional na Caritas Europa
Maio 2021

Quando a União Europeia (UE) divulgou sua comunicação sobre uma nova estratégia abrangente para a África em março de 2020[1], a construção de uma ‘parceria entre iguais’ estava no centro de sua proposta para a revitalização do quadro de parceria. De fato, na longa história das relações União Africana-União Europeia, a primeira Estratégia Conjunta África-UE, adotada em 2007, já havia realçado a necessidade de “abandonar uma relação tradicional” e forjar “uma verdadeira parceria caracterizada pela igualdade”. 

No entanto, a abordagem da UE em matéria de migração no contexto de negociações recentes ou ainda em andamento com países africanos parece estar em contradição com sua suposta intenção de construir uma parceria mais equilibrada , respondendo às aspirações de tais países. Isso é nítido não apenas na proposta inicial da Comissão Europeia para o novo quadro de parceria, mas também em outros processos em andamento, como o novo Pacto de Migração e Asilo da UE e o novo Acordo entre a UE e a Organização dos Estados da África, das Caraíbas e do Pacífico (EU-OACPS). 

a abordagem da UE em matéria de migração no contexto de negociações recentes ou ainda em andamento com países africanos parece estar em contradição com sua suposta intenção de construir uma parceria mais equilibrada

Em todos esses casos, as propostas da UE incluem poucos passos concretos para investir na migração regular, uma das principais prioridades dos países africanos . Em vez disso, tais propostas se concentram, principalmente, em medidas de securitização e de curto prazo, destinadas a fortalecer o controle de fronteiras, reduzir as chegadas de migrantes irregulares à Europa e aumentar as taxas de retorno dos migrantes.

Isso é perceptível no nível de detalhamento e ambição das propostas para migração regular de um lado, e das propostas para migração irregular e retorno dos migrantes do outro. No caso do novo Acordo UE-OACPS (o qual também orientará as relações da UE com a África Subsaariana), por exemplo, os artigos sobre migração regular permanecem vagos, enquanto aqueles que se referem a retorno e readmissão são altamente detalhados e concretos, incluindo prazos específicos para ação e sendo acompanhados de um anexo sobre o retorno e readmissão. 

as propostas da UE incluem poucos passos concretos para investir na migração regular, uma das principais prioridades dos países africanos

Em vista das estatísticas recentes que sugerem que 94% da migração africana para outros continentes se dá de forma regular[2] e das diversas necessidades em relação à migração (que incluem, por exemplo, a proteção dos direitos humanos dos migrantes e maior apoio aos refugiados e requerentes de asilo em países de destino), é questionável por que e como é considerado que o ‘retorno e readmissão’ de migrantes irregulares requer iniciativas de larga escala, enquanto outros objetivos importantes não recebem a mesma atenção. Um argumento comum apresentado por representantes da UE nesse contexto é que investir em esquemas de retorno e readmissão eficazes é uma parte legítima da agenda para as migrações e deve ser feito a fim de implementar acordos já existentes e juridicamente vinculativos. No entanto, isso levanta a seguinte questão: e quanto a outros compromissos importantes assumidos pela UE, tais como proteger os direitos humanos ou expandir rotas migratórias seguras e regulares? 

No final das contas, fica claro que a UE está fazendo uma escolha política, que não está alinhada com os valores fundamentais europeus de solidariedade e dignidade humana, com uma abordagem baseada nos direitos humanos ou com o objetivo de construir uma verdadeira parceria entre iguais com países parceiros. O enfoque desproporcional em aspectos da migração que não são uma prioridade para a maioria dos países africanos significa, assim, que esta nova fase da colaboração UE-África já coloca parceiros em condições desiguais desde o início. Até agora, esta parece ser, portanto, uma oportunidade perdida de construir o que a Europa precisa: uma abordagem à migração de longo prazo, baseada em direitos humanos, centrada nos seus aspectos positivos. 
Contrariamente à tendência predominante a nível da UE, a concepção da migração enquanto ferramenta poderosa para o desenvolvimento é que deve moldar o novo quadro de parceria UE-África , especialmente levando em consideração os impactos sócio-econômicos da pandemia de Covid-19 e o quanto eles demandam ações centradas na redução da probreza e de desigualdades sociais. 

fica claro que a UE está fazendo uma escolha política, que não está alinhada com os valores fundamentais europeus de solidariedade e dignidade humana

Se os últimos meses ainda não convenceram a atual liderança política da UE de que apenas uma abordagem de fato igualitária será capaz de construir uma parceria entre iguais, a esperança é que os próximos tragam oportunidades para debates públicos inclusivos sobre o tema, onde contradições na abordagem da UE possam ser desconstruídas e mais atenção possa ser dada aos vários aspectos positivos das migrações.

Notas:

[1]  Commissão Europeia e SEAE (9 de março de 2020), Comunicação Conjunta ao Parlamento Europe e ao Conselho – Rumo a uma estratégia abrangente para África (https://data.consilium.europa.eu/doc/document/ST-6703-2020-INIT/pt/pdf). 

[2] Organização Internacional para as Migrações & Commissão da União Africana (2020), Africa Migration Report – Challenging the narrative (https://publications.iom.int/system/files/pdf/africa-migration-report.pdf).

Este artigo foi originalmente publicado na Edição da Revista da Plataforma Portuguesa das ONGD de junho de 2021 "Relações União Europeia-África: Que futuro?" Leia ou faça download da edição completa aqui.

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