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21 jun 2022 Fonte: Revista da Plataforma Portuguesa das ONGD Temas: Cooperação para o Desenvolvimento

João Ribeiro de Almeida, Presidente do Camões, I.P.

Entrevista realizada por Rita Leote

Tendo em conta as alterações significativas no âmbito da arquitetura internacional do financiamento para o desenvolvimento e a diversificação das modalidades a si associadas, qual pode ser o papel das agências de desenvolvimento dos países doadores, nomeadamente do Camões, IP?

A aceleração das mudanças e interdependências mundiais tem-se refletido numa complexificação dos desafios de desenvolvimento. Os efeitos de crises cumulativas e interligadas – destacando-se a crise climática e de sustentabilidade, as consequências da pandemia de COVID-19 ou as ameaças à paz e segurança globais como a guerra da Ucrânia – traduzem-se em múltiplos impactos humanos, sociais e económicos, suscitando uma urgência de políticas e ações integradas e abrangentes. 

O atual contexto é igualmente uma oportunidade para reconstruir melhor e de forma mais sustentável, com o reforço da cooperação internacional a tornar-se uma necessidade decorrente de interesses e responsabilidades partilhadas. O reforço e diversificação do financiamento do desenvolvimento constituem uma oportunidade estratégica para os próximos anos, mobilizando esforços e recursos, públicos e privados, que contribuam para a realização dos objetivos globais de desenvolvimento.

Não obstante, a Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) ser essencial, é um bem escasso face à dimensão dos desafios, importando utilizá-la de forma estratégica com outros fluxos, assim como a apoiar a mobilização dos recursos internos dos países parceiros.

Em termos operacionais, o reconhecimento e reforço do papel de múltiplos intervenientes nas políticas de cooperação, integrando de forma mais estruturada atores estatais e também não-estatais, como a sociedade civil e o setor privado, incentiva ao reforço do trabalho em rede e a criação de parcerias. A intervenção dos atores da cooperação segue uma tendência de localização do desenvolvimento, incluindo a transferência para o terreno de responsabilidades, instrumentos e capacidades de decisão, bem como um enfoque maior na ação a nível local, especificamente na capacitação, no apoio setorial e no financiamento a vários atores nos países parceiros.

Face a esta nova realidade, o Governo português através do Camões, IP tem vindo a empreender um esforço significativo na procura de soluções inovadoras que passam não só por novos modelos de financiamento, como também pela criação de novas parcerias entre novos atores, públicos e privados, nacionais e internacionais, envolvidos nesta área. É deste modo que a Cooperação Portuguesa perspetiva a cooperação triangular como modalidade que complementa e maximiza o impacto da atuação bilateral e multilateral, permitindo potencializar as mais-valias de dois parceiros em apoio a um terceiro.

A cooperação triangular é ainda um instrumento importante para um multilateralismo forte, permitindo mobilizar mais recursos diversificados para o financiamento do desenvolvimento e para alcançar os ODS.

 

Nos últimos anos, a APD portuguesa tem sido canalizada sobretudo via canal multilateral. Que desafios tem esta aposta colocado ao Camões, IP enquanto agência coordenadora da Cooperação Portuguesa?

Os impactos referidos anteriormente vieram demonstrar claramente a importância de três elementos: (i) da cooperação e solidariedade internacionais, na medida em que a perceção de riscos globais se reforçou, enfatizando a necessidade de um sistema multilateral forte, eficaz e baseado em normas; (ii) do investimento no desenvolvimento humano, em particular nas áreas da saúde e educação, que assumem hoje inegável relevância geopolítica e são estruturantes para a prossecução de outras prioridades; (iii) do reforço das capacidades e da resiliência para absorver, adaptar e recuperar de choques, a todos os níveis – principalmente choques externos e transnacionais, que não se esgotarão na pandemia. 

A dimensão dos desafios de desenvolvimento sublinha, igualmente, a importância crescente da agenda dos bens públicos globais e sua governação, com impactos também no plano do financiamento. Alguns desafios comuns, como as alterações climáticas, a preservação da biodiversidade, a saúde ou as migrações, requerem respostas mais concertadas a nível mundial, que assentem nas instituições multilaterais e que sejam capazes de ligar a governação global às necessidades dos cidadãos

Pretende-se assim a concretização, através da atuação a nível multilateral, de financiamentos, programas e ações em benefício dos países parceiros da Cooperação Portuguesa. Define-se ainda como relevante o desenvolvimento de uma abordagem estratégica eficaz e consequente para a participação de Portugal nas IFI (Instituições Financeiras Internacionais), para as contribuições para agências, fundos e programas multilaterais, e para a colocação de peritos e quadros nas organizações internacionais e instituições europeias.

A nível multilateral, o enfoque está por isso na participação de Portugal e na sua capacidade de influenciar as políticas, o funcionamento e a eficácia das organizações multilaterais, tendo como base as diretrizes gerais estabelecidas na Estratégia Portuguesa de Cooperação Multilateral. Neste sentido, Portugal acompanha os debates de vários fóruns internacionais, assegurando uma participação ativa e influente, com o objetivo de promover as prioridades e os objetivos da cooperação portuguesa para o desenvolvimento, bem como fortalecer parcerias e sinergias com ações bilaterais. Portugal continua a aprofundar as suas relações com a CPLP, a UE, a OCDE, a ONU, a Conferência Ibero-Americana, as Instituições Financeiras Internacionais, a União Africana, a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral e a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental, bem como com os seus órgãos e agências especializados, com um enfoque especial nas prioridades geográficas e setoriais da cooperação portuguesa para o desenvolvimento. É dada especial atenção aos debates em curso na UE, na ONU e no Comité de Ajuda ao Desenvolvimento da OCDE no que se refere à Agenda de 2030, à Agenda de Ação de Addis Abeba sobre o financiamento para o desenvolvimento, ao Nexo Humanitário-Desenvolvimento-Paz, Migração & Desenvolvimento, ao acompanhamento da Parceria Global para a Cooperação para o Desenvolvimento Eficaz e das Convenções do Rio, nomeadamente da Convenção das Nações Unidas para as alterações climáticas.  


A Cooperação Portuguesa tem, nos últimos anos, priorizado setores como a educação e a saúde; de que forma poderá esta aposta ser reforçada ao longo dos próximos anos?

A próxima ECP (Estratégia da Cooperação Portuguesa) 2030 preconiza um reforço da cooperação bilateral com os países parceiros prioritários, privilegiando setores onde se verificam mais-valias claras da Cooperação Portuguesa face a outros parceiros. A relevância da cooperação bilateral em setores chave contribui, igualmente, para o reconhecimento pelos pares da experiência e mais-valia de Portugal na implementação de outras modalidades e mecanismos de cooperação (como no âmbito da União Europeia e da cooperação triangular) nesses mesmos setores, potenciando os resultados.

As prioridades setoriais da intervenção da Cooperação Portuguesa combinam as necessidades particulares e as prioridades de desenvolvimento definidas pelos países parceiros com as vantagens comparativas da Cooperação Portuguesa nas áreas da educação e formação (em todos os níveis de educação, incluindo ensino superior e formação profissional), de boa governação e de capacitação institucional em setores chave como a saúde, a par da administração pública, sistema judicial, Estado de direito, gestão de finanças públicas ou setor de segurança. 

Entendemos, igualmente, que a Educação constitui um eixo prioritário da Cooperação Portuguesa e será, provavelmente, um dos elementos que mais contribui, direta ou indiretamente, fruto do seu efeito multiplicador, para reconhecer e combater dinâmicas estruturais de exclusão, de normalização da violência, das desigualdades e de degradação ambiental, criando condições para um mundo mais inclusivo, pacífico, justo e sustentável.

Concomitantemente, a Cooperação Portuguesa ao concentrar parte do seu esforço financeiro no fortalecimento dos sistemas públicos de saúde de países em desenvolvimento, procura contribuir para fortalecer e aumentar a capacidade desses sistemas para que possam desempenhar o papel de apoio às estratégias de desenvolvimento e de redução da pobreza em cada país e para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, a par do objetivo de redução das evacuações médicas.

Os novos desafios postos pela COVID19 vieram introduzir uma maior pressão no funcionamento do sector, promovendo intervenções da Cooperação Portuguesa mais focadas na redução, prevenção e mitigação do risco pandémico, aliando, quando necessário, uma resposta integrada de assistência humanitária e de desenvolvimento sustentável, estratégias já refletidas nos novos PEC.

 

Considerando o atual momento histórico, marcado pelo aumento das desigualdades e impactos das alterações climáticas, aos quais se juntou uma pandemia e uma guerra na Europa, que desafios destaca para o setor do Desenvolvimento, em particular no que diz respeito à capacidade dos estados para mobilizar recursos financeiros para a cooperação?

O aparecimento de novos desafios globais de desenvolvimento e o conhecimento adquirido em promover a sustentabilidade ambiental e energética contribuíram para colocar a transição energética, o acesso à água e o saneamento, assim como as tecnologias de informação como prioridades de apoio aos países parceiros da Cooperação Portuguesa, ao que acresce o desafio emergente da segurança alimentar que o conflito na Ucrânia veio agravar.

Já foi aqui referido que, no que respeita à Cooperação Portuguesa, no quadro das IFI, pretende-se criar uma abordagem estratégica eficaz e consequente para a participação de Portugal nestas instituições, que permita igualmente potenciar os recursos aportados nomeadamente em prol dos principais países parceiros da Cooperação Portuguesa.

Consideramos que a nova ECP2030 poderá contribuir para o aprofundamento do envolvimento do setor privado na cooperação para o desenvolvimento através de uma utilização da APD de forma catalítica para mobilizar recursos financeiros adicionais para o desenvolvimento económico e social sustentável.
 

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