07 mar 2023 Fonte: Plataforma Portuguesa das ONGD Temas: Sociedade Civil

Nos dias 7 e 8 de fevereiro de 2023, a cidade de Mérida, em Espanha, acolheu o XIV Encontro Cívico Ibero-Americano, durante o qual redes e plataformas da sociedade civil de 19 países ibero-americanos, incluindo a Plataforma Portuguesa das ONGD, reuniram-se para analisar a situação atual do espaço cívico nestes contextos geográficos e para construir propostas a serem apresentadas na XXVIII Cimeira Ibero-Americana de Chefes de Estado e de Governo, a decorrer na República Dominicana, a 24 e 25 de março de 2023, com o lema: “Juntos, rumo a uma Ibero-América Justa e Sustentável”.
O Encontro Cívico Ibero-Americano é uma iniciativa da SEGIB – Secretaria-Geral Ibero-Americana - e da CAECI - Comissão Coordenadora dos Encontros Cívicos Ibero-americanos -, e conta com o apoio da AECID - Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento. Este encontro anual entre plataformas da sociedade civil ibero-americana tem como objetivo promover o diálogo político, o seguimento e a influência política nas Cimeiras Ibero-americanas, com vista a incorporar nas suas deliberações as recomendações, propostas, opiniões e compromissos da sociedade civil.
Sob o mote “os espaços de participação da sociedade civil”, o XIV Encontro Cívico Ibero-americano permitiu uma ampla discussão em torno da importância da participação política efetiva e consequente da sociedade civil organizada no espaço ibero-americano, num momento em que se verifica um “aumento da repressão contra a sociedade civil, defensores dos direitos humanos, do meio ambiente e jornalistas”, como evidenciou Cristina Prego, representante da Comissão Articuladora dos Encontros Cívicos Ibero-americanos na sessão de abertura, apelando simultaneamente para a necessidade da implementação de um novo pacto social, conforme recomendação já apresentada pela sociedade civil na declaração final do XIII Encontro Cívico Ibero-americano.
Enquanto que, segundo a CIVICUS, o espaço cívico em Portugal e Espanha é considerado, respetivamente, aberto e restringido, a região da América Latina é um dos lugares no mundo onde mais líderes sociais e defensores do meio ambiente são assassinados. Na conferência de abertura, Inés Pousadela, da CIVICUS, referia ainda que as restrições de participação em 2023 já não existem apenas no espaço físico, mas também no espaço virtual.
O trabalho realizado pelas organizações durante o Encontro
Durante o Encontro foram ainda apresentados os resultados de uma pesquisa realizada pela Comissão Coordenadora dos Encontros Cívicos sobre os mecanismos legais de participação da sociedade civil organizada existentes em 17 países. Verificou-se que existe uma grande diversidade do ponto de vista legislativo, mas pouca concretização efetiva, uma vez que as organizações nem sempre são convocadas a participar, embora existam, na maior parte dos casos, enquadramentos legais favoráveis. Adicionalmente, os espaços existentes de consulta não têm implicações práticas, uma vez que não têm dimensões vinculativas de influência política e são, na maioria dos casos, espaços utilizados pelos governos apenas para prestar informação às organizações da sociedade civil (OSC).
Considerando a relevância dos dados recolhidos nesta breve pesquisa, a Secretaria-Geral Ibero-Americana (SEGIB) apoiará a Comissão Coordenadora dos Encontros Cívicos na realização de um estudo mais alargado, cujos objetivos foram discutidos pelas pessoas presentes no Encontro, tendo sido preparada uma proposta que inclui elementos como: a necessidade de conter uma visão global de toda a América Latina e desta região em comparação com o quadro normativo da Península Ibérica e a realidade da União Europeia; a importância de partir de uma definição de sociedade civil que reflita toda a sua diversidade, autonomia e heterogeneidade de ação; a necessidade de identificar pontos fortes e fracos e incluir recomendações da sociedade civil para o espaço ibero-americano, cooperação internacional, governos e sociedade civil organizada.
Os dois dias de trabalho incluíram a definição coletiva de uma Declaração final do Encontro, como acontece em todos os Encontros Cívicos Ibero-americanos, para ser apresentada à XXVIII Cimeira Ibero-Americana de Chefes de Estado e de Governo, a decorrer em março na República Dominicana. As Cimeira Ibero-Americanas, de realização bienal, são o ponto central da Conferência Ibero-Americana e decorrem ao mais alto nível político, reunindo os Chefes de Estado e de Governo dos 22 países que integram a região ibero-americana (19 da América Latina e 3 da Península Ibérica).
A Declaração final do XIV Encontro Cívico Ibero-Americano
A Declaração final do Encontro Cívico Ibero-Americano procura dar relevância à importância de serem garantidos espaços formais e consequentes para a participação da sociedade civil organizada, dado o atual contexto político e social, nomeadamente em alguns países da América Latina. Ao evidenciar a violação sistemática dos direitos humanos, as lacunas nos sistemas que deveriam protegê-los e a fragilidade dos mecanismos de participação cidadã, a Declaração destaca a preocupação das organizações presentes no Encontro com o aumento significativo da repressão e perseguição de organizações da sociedade civil, bem como de jornalistas e defensores dos direitos humanos e do meio ambiente, exigindo o fim da criminalização da sociedade civil organizada.
A Declaração advoga ainda pela construção de um novo pacto social, que implique uma nova forma de relacionamento humano onde a justiça social, económica, financeira, ambiental, racial, de género e geracional seja a prioridade. É ainda evidenciado o caráter incompreensível e injustificável da ausência de convite à sociedade civil organizada para participar presencialmente nas Cimeiras, sinal mais do que evidente de que os enquadramentos normativos e as palavras não se traduzem em atos, no que diz respeito às possibilidades de participação da sociedade civil nos diálogos políticos, nomeadamente de âmbito internacional.
Por estas razões, as/os participantes do Encontro decidiram destacar a seguinte recomendação da Declaração para ser apresentada durante a XXVIII Cimeira: “garantir os direitos e liberdades de reunião, associação e expressão. Criar as condições políticas, sociais, jurídicas, económicas e financeiras para que a sociedade civil organizada atue em condições de autonomia e como ator de pleno direito, reconhecendo a sua diversidade de atuação e objetivos, bem como os diferentes papéis que desempenha.”