07 abr 2021 Fonte: Vários Temas: Sociedade Civil, Saúde, Cooperação para o Desenvolvimento, Advocacia Social e Política
A Pandemia de Covid-19 expôs as contradições dos sistemas que nos governam e aprofundou as desigualdades dentro e entre países nas suas várias dimensões. No dia em que se assinalou o Dia Mundial da Saúde, multiplicam-se os apelos por um acesso igual aos tratamentos e vacinas contra a Covid-19.
No dia em que se assinalou o Dia Mundial da Saúde, 7 de abril, tanto o secretário-geral da ONU como o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde apelaram a uma maior igualdade no acesso à vacina contra a Covid-19. Numa altura em que grande maioria das doses foram administradas em países ricos, António Guterres considera que as desigualdades no acesso à vacinação “são imorais e perigosas para a nossa saúde, para as nossas economias e para as nossas sociedades”.
No início de abril, a COVAX, uma iniciativa da Aliança Global para as Vacinas (Gavi) e da Organização Mundial de Saúde (OMS), com o objetivo de coordenar recursos internacionais para permitir aos países de baixo e médio rendimento o acesso equitativo aos testes, terapias e vacinas COVID-19, tinha distribuído vacinas a 84 países. No entanto, a escassez de fornecimentos continua a ser um obstáculo. Segundo Seth Berkley, diretor executivo da Gavi, “se tivéssemos mais doses, poderíamos disponibilizá-las”, sublinhando que “o grande desafio aqui é o da desigualdade de que falamos entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento".
Winnie Byanyima, Diretora Executiva da UNAIDS (United Nations Programme on HIV/AIDS), defendeu que o sistema da COVAX, por se basear em acordos de licenciamento voluntário, “não é suficiente” porque não podemos depender da boa vontade das empresas para licenciar outras empresas para produzir mais. O fornecimento para todo mundo não pode ser deixado a cargo das empresas”
Tedros Adhanom Ghebreyesus, Diretor Geral da OMS, reforçou em março que “em primeiro lugar, precisamos de produção sustentável de vacinas em todo o mundo. Será útil nesta pandemia e crítico para as futuras” alertando que “impulsionar a produção não acontecerá por si só. Vivemos um momento excecional da história e devemos estar à altura do desafio. Quer se trate de partilha de doses, transferência de tecnologia, licenciamento voluntário (…) ou renúncia aos direitos de propriedade intelectual, como sugeriram a África do Sul e a Índia, precisamos fazer todos os esforços possíveis.”
A ideia da renúncia aos direitos de propriedade intelectual, foi apresentada em outubro de 2020 pela Índia e a África do Sul, que fizeram um apelo à Organização Mundial do Comércio (OMC) no sentido de permitir que os países optem por suspender ou não fazer cumprir todas as patentes e outros tipos de propriedade intelectual relativos a vacinas e tratamentos para a Covid-19, até que a imunidade de grupo seja alcançada. Países como Reino Unido, Estados Unidos e a própria União Europeia têm-se oposto a esta medida, apesar do crescente e significativo apoio de vários países em desenvolvimento e organizações não governamentais.
A União Africana demonstrou apoio à ideia da suspensão de alguns direitos de propriedade intelectual de medicamentos e vacinas Covid-19 para acelerar sua distribuição para os países em desenvolvimento. John Nkengasong, diretor do Centro Africano para Controlo e Prevenção de Doenças, relembrou: “Em 1996, os medicamentos para o HIV estavam disponíveis e vimos como a mortalidade no mundo desenvolvido diminuiu drasticamente. Mas levaria 10 anos até que estes medicamentos estivessem acessíveis em África de forma significativa (…) Durante esse período 12 milhões de africanos morreram, pelo que apresento estes números apenas para assinalar que qualquer transferência de Propriedade Intelectual será benéfica para todas as pessoas porque ninguém quererá estar orgulhoso dessa lamentável situação (...) queremos estar do lado certo da história”
Entre as organizações da Sociedade civil, os apelos multiplicam-se. Destaca-se a “Access Campaign” da Médicos Sem Fronteiras, que apela à União Europeia que adote uma abordagem global à escassez de vacinas, tomando medidas concretas para garantir a partilha de conhecimento e tecnologia com todos os potenciais fabricantes, incluindo os países de médio e baixo rendimento, e desbloqueando a referida proposta para a suspensão da propriedade intelectual.
Numa carta à Presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, também a Concord Europe apela à UE para “que apoie a isenção do TRIPS (Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights) e trabalhe com outros países para esse fim com urgência, para que todos os países possam cumprir as suas obrigações em relação aos direitos das pessoas à vida e à saúde”.
A Concord Europe sublinha ainda que o acesso universal à vacina Covid-19 é a “única solução para acabar com a pandemia e mitigar o aprofundamento das desigualdades socioeconómicas, e que a vacina - e os produtos médicos e tecnologia necessários para a produzir - deve ser vista como um bem público global.”
Sendo a produção e distribuição das vacinas um assunto complexo do ponto de vista jurídico, logístico e político, com vários interesses em cima da mesa, é cada vez mais claro que uma recuperação justa e equitativa do imenso desafio que enfrentamos não será possível sem que se assegure com urgência uma efetiva equidade no acesso às vacinas para a Covid-19 entre países, com um foco particular nos países com menos capacidade de a estas aceder e sem deixar ninguém para trás.