07 mar 2022 Fonte: Vários Temas: Advocacia Social e Política, Cooperação para o Desenvolvimento, Sociedade Civil, União Europeia
O sexto encontro entre Chefes de Estado e de Governo dos Estados-Membros da União Europeia e da União Africana aconteceu em Bruxelas, nos passados dias 17 e 18 de fevereiro. Depois de toda a expectativa criadas, esperava-se que a Cimeira produzisse avanços significativos no estabelecimento de uma parceria equilibrada entre as partes. Apesar disso, e não obstante a aposta em novos mecanismos de monitorização conjunta dos compromissos, a Sociedade Civil considera que há omissões importantes na declaração conjunta – a começar pela ausência de disposições concretas quanto ao seu próprio papel.
Depois de ter sido dado como certo que se realizaria durante a Presidência alemã do Conselho da UE, a Cimeira UE/UA foi sendo sucessivamente adiada. A pandemia e a vontade em fazer deste um encontro presencial obrigaram a que a Cimeira fosse adiada para 2022, em plena Presidência Francesa do Conselho da UE. Durante este período, a Comissão Europeia foi insistindo na necessidade de rever os pressupostos da relação entre os dois continentes e de caminhar para um relacionamento baseado numa noção revista de “parceria” assente “numa clara compreensão dos respetivos e mútuos interesses e responsabilidades”.
Num momento em que as tensões entre a Rússia e a Ucrânia já dominavam largamente a agenda política, a Cimeira UE/UA via mais um desafio ser colocado à sua realização. Numa altura em que se discutia a resposta da União Europeia ao aglomerar de tropas russas nas fronteiras com a Ucrânia, a concentração dos/as líderes nas questões da parceria com África foi seriamente testada. Ainda assim, e apesar dos receios de última hora, o programa da Cimeira foi cumprido até ao fim, consumando uma abordagem às discussões que foi, ela própria, revista em relação a Cimeiras anteriores. Com efeito, a 6ª Cimeira UE/UA foi um encontro onde foi possível ir mais longe nas discussões temáticas, em virtude da organização de sessões geridas conjuntamente por Estados-Membros das duas organizações – o primeiro-ministro português ficou responsável pela moderação de um painel sobre “Educação, Cultura e formação vocacional, migração e mobilidade”.
A governação da parceria entre as partes era, de facto, uma das questões centrais em discussão. Perante a manifestação da vontade de rever as bases da parceria que vinha sendo afirmada pela UE, impunham-se decisões concretas que permitissem um maior equilíbrio na tomada de decisões e na gestão das relações. Neste contexto, notam-se simultaneamente avanços e omissões importantes. Por um lado, o avanço mais significativo na arquitetura da parceria talvez seja o da criação de um mecanismo de monitorização dos compromissos estabelecidos, composto pela Comissão Europeia e pela Comissão da União Africana. O objetivo deste mecanismo passa pela organização de reuniões anuais que permitam dar seguimento às decisões dos chefes de governo das duas organizações e, assim, garantir que os compromissos se traduzem, efetivamente, em iniciativas concretas.
Contudo, o envolvimento da Sociedade Civil neste processo encontra-se completamente omisso. Pelo contrário, a única menção aparece no final da declaração conjunta quando se diz que as partes tomam nota “das contribuições dos/as jovens, da Sociedade Civil, das Autoridades Locais e do setor privado durante a Semana África-Europa e o Fórum de Negócios África-Europa e encorajamos todas as partes para que se continuem a envolver na nossa Parceria renovada”. Esta foi, aliás, uma das críticas da Sociedade Civil, uma vez que, na própria semana em que se realizou a Cimeira, foi partilhada uma declaração subscrita por mais de 180 organizações, entre as quais a Plataforma Portuguesa das ONGD – muitas delas redes compostas, por si só, por outras organizações –, onde se apelava, entre outras coisas, a que as Organizações da Sociedade Civil europeias e africanas fossem incluídas nos mecanismos de governação da parceria.
Outro dos aspetos que tem sido referido tem a ver com a incapacidade dos/as líderes em ultrapassar divergências de fundo em relação às áreas temáticas mais importantes. Entre estas, contam-se, por exemplo, as questões da falta de vacinas contra a Covid-19 no continente africano e a indisponibilidade da UE em considerar o levantamento temporário das patentes. No âmbito do combate às alterações climáticas, a UE tem permanecido firme na aplicação da taxa de carbono e rejeitado a proposta da UA para que esta não seja aplicada aos países africanos (uma vez que estes representam apenas 3% do total das emissões globais de CO2). Além de outras questões, também no domínio da realocação dos Direitos Especiais de Saque (Special Drawing Rights) se notou alguma falta de vontade do lado europeu em assumir compromissos concretos – o que poderá pôr em causa a meta de 100 mil milhões de dólares assumida no último encontro do G20.
Em termos globais, dificilmente se poderá considerar a 6ª Cimeira UE/UA como um sucesso absoluto. Espera-se que, tal como foi assumido no final do encontro, o compromisso relativamente à produção de vacinas contra a Covid-19 seja conhecido em breve. Também no domínio do investimento europeu, os próximos meses serão importantes para perceber se os 150 mil milhões de euros associados à iniciativa Global Gateway, que visa apoiar África para uma recuperação e transformação forte, inclusiva, ecológica e digital serão, efetivamente, implementados, e se resultarão de uma mobilização de fundos adicionais ou se, pelo contrário, dependerão da realocação de financiamento de outros programas – correndo, por isso, o risco de desguarnecer os últimos.
Por tudo isto, a Sociedade Civil permanecerá atenta aos desenvolvimentos associados aos compromissos assumidos durante a Cimeira. Nos últimos anos foram, inclusivamente, lançadas várias propostas no âmbito das relações entre África e a UE. Também a Plataforma Portuguesa das ONGD contribuiu para esta reflexão, com a publicação de um estudo em maio de 2021 – em plena Presidência Portuguesa da União Europeia. No âmbito do trabalho da Plataforma sobre este tema, foi ainda publicada, em julho de 2021, uma edição da Revista da Plataforma dedicada ao tema “Relações UE-África: que futuro?”.