08 fev 2023 Fonte: Plataforma Portuguesa das ONGD Temas: Sociedade Civil

Artigo por: Filipe Pinto e Vanessa Marcos Coordenadores do projeto “Transparência nas Organizações de Economia Social portuguesas” ATES - Área Transversal de Economia Social, Universidade Católica Portuguesa | Porto
Com o crescente papel de provisão social e de influência do setor das Organizações de Economia Social (OES) e, nesta esfera de atividade, das que se caracterizam por serem Organizações Não Governamentais para o Desenvolvimento (ONGD), a transparência e a accountability tornaram-se questões de interesse e preocupação nos últimos anos. Se a transparência se pode traduzir pela combinação da abertura, no que respeita às decisões e atividades que afetam a sociedade, a economia e o ambiente, com a vontade de comunicar essas decisões de maneira clara, oportuna, honesta, contínua e completa, podemos afirmar que a accountability (ou prestação de contas no sentido mais amplo da expressão) é a capacidade de responder por essas decisões perante diferentes partes interessadas. Trata-se de promover uma aprendizagem crítica e constante, facilitadora de práticas gestionárias eficientes e com potencial para uma ação transformadora.
As ONGD são, assim, accountables perante várias partes interessadas, com a tendência crescente de alargar a capacidade de prestar contas a todas as pessoas afetadas pela organização. Em termos gerais, fazem-na através de diversos meios, onde se incluem as autoavaliações, as avaliações externas, as auditorias, a publicação de relatórios e outras declarações, os processos de participação e os mecanismos de autorregulação (Ebrahim, 2003). É nesta última categoria que se enquadra o Código de Conduta da Plataforma Portuguesa das ONGD, enquanto iniciativa voluntária de accountability, e que se materializa num documento orientador da visão e da ação das associadas da Plataforma Portuguesa das ONGD. Os benefícios de tornar o Código de Conduta uma ferramenta viva e útil são muitos:
- Ao encetar, de forma comprometida, participativa e conjunta, um processo de problematização e de (des)construção dos seus desafios e potencialidades, o Código de Conduta contribui largamente para que as ONGD criem uma identidade comum (reconhecendo a diversidade organizacional existente no setor), reforçando a pertença dos seus membros e possibilitando o fortalecimento interno do setor;
- Ao estabelecer um conjunto explícito de valores e de princípios de atuação, bem como de orientações rigorosas de processos gestionários, o Código de Conduta pode contribuir para fortalecer uma cultura organizacional e promover um desempenho eficaz e, no global, acolher a aprendizagem organizacional como uma ação em permanência;
- Ao contribuir para aumentar a credibilidade das ONGD, salvaguardando a confiança e o empenho das suas partes interessadas relativamente à legitimidade das suas operações. Casos isolados de comportamentos problemáticos de uma única ONGD são suscetíveis de denegrir a reputação de todo o setor e descredibilizar a pertinência da sua ação;
- Ao proporcionar a clarificação de práticas gestionárias mais transparentes, as organizações podem melhorar a sua capacidade de enfrentarem as críticas emergentes relacionadas com comportamentos pouco claros ou pouco democráticos nos processos de tomada de decisão.
Nesta linha de pensamento, e sem a pretensão de esgotar o debate em torno das lógicas de funcionamento das ONGD, a importância de uma prática de prestação de contas transparente alimenta diversos discursos e espaços de debate. A literatura sobre o assunto é muito escassa, principalmente em português, e no que diz respeito ao setor da Economia Social em geral e em Portugal. Neste sentido, e como resultado de um exercício constante de problematização e debate crítico sobre transparência e accountability, construímos, colaborativamente, no âmbito do Projeto “Transparência nas Organizações de Economia Social portuguesas”, promovido pela ATES – Área Transversal de Economia Social da Universidade Católica Portuguesa do Porto, um Mecanismo de Prestação de Contas Transparente. De caráter exploratório, direcionado a todas as OES portuguesas, e com o intuito de possibilitar um autodiagnóstico organizacional sobre as temáticas em questão, é um instrumento de preenchimento simples e online, que assume a inexistência de determinada ferramenta, processo ou procedimento como uma oportunidade de aprendizagem organizacional, instigadora de práticas organizacionais melhoradas.
Mecanismos de autorregulação, como o Mecanismo referido e o Código de Conduta da Plataforma Portuguesa das ONGD , procuram, assim, romper com a abordagem de natureza punitiva que, genericamente, envolve e se associa à prestação de contas, promovendo um sentido de compromisso, de responsabilidade e de aprendizagem contínua e coletiva.