04 fev 2021 Fonte: Vários Temas: Presidência da UE, Migrações e Refugiados, União Europeia
De entre os vários dossiês sensíveis que a Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia (UE) herdou, a discussão sobre o novo Pacto sobre Migração e Asilo, apresentado pela Comissão Europeia a 23 de setembro do ano passado, é um deles. Num momento particularmente difícil, em que, por razões de segurança sanitária, se impõem confinamentos, fecham-se fronteiras e se colocam mais restrições à mobilidade de pessoas – inclusive entre Estados-Membros – a situação de muitos milhares de migrantes e refugiados/as torna-se ainda mais insustentável. Prova disso é a forma como a pandemia tem assolado os campos de refugiados na Europa, que permanecem sem o mínimo de condições sanitárias, de habitabilidade e de dignidade. A que se soma a dificuldade – senão a impossibilidade – de acederem, de forma célere e justa, a planos de vacinação.
O novo Pacto, segundo a Comissão, entende as migrações devem ter uma resposta coletiva equilibrada, solidária e responsável por parte de todos Estados-Membros da UE - através de um mecanismo que prevê a realocação dos migrantes e refugiados/as ou a repatriação daqueles que provem não ter direito a proteção internacional. É, contudo, no balanço entre responsabilidade e solidariedade que reside o grosso das críticas de várias Organizações da Sociedade Civil à proposta da Comissão Europeia. Na medida em que o executivo procurou encontrar soluções que permitissem ultrapassar os bloqueios impostos por países como a Hungria e a Polónia, o receio é de que o novo Pacto esteja excessivamente centrado na prioridade de aprimorar os mecanismos de securitização e de deportação das pessoas que chegam a território europeu.
Com o objetivo de “reforçar a confiança” e “assegurar um sistema de gestão de migração previsível e fiável”, o novo Pacto para a Migração e Asilo propõe:
1) Procedimentos de gestão das migrações e em matéria de asilo;
2) Gestão das fronteiras Schengen e externas, com a restauração de todas as suas caraterísticas;
3) Solidariedade efetiva constante entre os Estados-Membros com muitas chegadas de migrantes;
4) A priorização de uma migração seletiva com foco nas fatias da população com elevados níveis de qualificações e com experiência técnica em áreas relevantes;
5) Aprofundamento na cooperação em matéria de migração mediante o estabelecimento de parcerias internacionais com os principais países de origem e de trânsito;
6) Flexibilidade e resiliência, nomeadamente perante situações de crise.
Num contexto em que os movimentos nacionalistas e iliberais ganham espaço no continente europeu, a abordagem da UE às migrações tem sido fortemente marcada por uma lógica de securitização, em detrimento de políticas centradas nos direitos humanos, que dificilmente contribuirá para endereçar as questões que se colocam. A implementação de um novo Pacto, que reforce a solidariedade entre os Estados-membros e acolha e proteja de forma humana e justa os/as que procuram acolhimento, ao invés de um foco excessivamente centrado numa redução dos fluxos através da imposição de barreiras à entrada em território comunitário, afigura-se agora como o principal desafio da Presidência Portuguesa. Embora árdua, esta é uma tarefa que Portugal, enquanto país tradicionalmente aberto à integração de migrantes e requerentes de asilo, deve assumir de uma forma clara.
Em matéria de prioridades da Presidência, o Governo português advoga a construção de uma “Europa Resiliente”, que promova a recuperação, a coesão e os valores europeus. Para tal, entre outros empreendimentos, entende ser necessário “dar seguimento à negociação do novo Pacto em matéria de Migração e Asilo, com vista a uma abordagem europeia, abrangente e integrada, traduzindo uma visão equilibrada entre a prevenção da imigração irregular, a promoção de canais sustentáveis de migração legal e a integração dos imigrantes, promotora da salvaguarda dos direitos humanos.”
O Governo português diz estar a trabalhar, aos níveis político e técnico, no conceito de "solidariedade obrigatória flexível", definindo, em conjunto com os Estados-Membros, os critérios e formas que o materializar. A discussão, defende Portugal, deve ter três dimensões distintas:
- A dimensão externa das políticas migratórias, com base no princípio de que a migração é um desafio comum da Europa que deve integrar o diálogo com países terceiros vizinhos, como Marrocos e Tunísia, valorizando a cooperação com esses países, a criação de vias para a migração legal e de mecanismos, nos países de origem, de prevenção da migração irregular, bem como a colaboração nos retornos;
- O controlo das fronteiras externas da União Europeia, através da FRONTEX, o que implica o reforço de recursos humanos, financeiros e tecnológicos;
- O equilíbrio entre os princípios de responsabilidade e de solidariedade, por parte de todos os Estados-Membros, para responder aos desafios migratórios.
A 28 de janeiro, os ministros dos Assuntos Internos dos 27 e a Comissária Europeia para Assuntos Internos, Ylva Johansson, estiveram reunidos numa videoconferência informal presidida pelo ministro Eduardo Cabrita, com o objetivo de encontrar “pontos de convergência” acerca do Pacto sobre a Migração e o Asilo proposto pela Comissão Europeia. Foi a primeira vez que os ministros europeus se reuniram desde a apresentação da nova proposta da Comissão Europeia. Mas, numa altura em que os países voltam a reforçar as suas fronteiras e a limitar a mobilidade entre Estados para travar o contágio da Covid-19, a reunião ministerial acabou por ficar marcada sobretudo pelo tema da livre circulação no espaço Schengen. E as declarações conjuntas prestadas pela Comissária Europeia e pelo ministro português da Administração Interna, após o encontro, deixam antever poucos progressos relativamente à discussão do Pacto: “As migrações são um tema em que os compromissos são necessários e não serão fáceis”, afirmou Johansson.
Entretanto, a Presidência Portuguesa confirmou a intenção de realizar um conselho entre os ministros dos Assuntos Internos e dos Negócios Estrangeiros para debater a dimensão externa das políticas migratórias. Este será um momento fulcral para a Presidência Portuguesa da UE rejeitar a abordagem de condicionalidade em matéria de gestão de fluxos migratórios imposta a países parceiros como um critério determinante nas políticas de desenvolvimento da UE e considerar o risco elevado de, ao procurar “atrair talentos de que a UE precisa”, contribuir para o incremento do denominado fenómeno da “fuga de cérebros”. Ao mesmo tempo deve garantir-se que as Organizações da Sociedade Civil são envolvidas e participam efetivamente no processo de definição dos instrumentos e mecanismos de implementação do novo Pacto, considerando que, todos os dias, acompanham no terreno e prestam auxílio a migrantes e refugiados que procuram a segurança e proteção em território europeu. Pelo seu grau de especialização e envolvimento em questões migratórias e de direitos humanos, a sua colaboração será determinante para levar a bom porto a estratégia portuguesa e europeia.
Esta é, aliás, uma das prioridades identificadas pela Sociedade Civil portuguesa, na consulta a cerca de 150 organizações da sociedade civil nacional, promovida pela Plataforma Portuguesa das ONGD, no âmbito do projeto que tem a decorrer – “Projeto Presidência - Por uma Europa aberta, justa e sustentável no mundo”: adotar políticas migratórias centradas no respeito pelos Direitos Humanos. É preciso pôr fim à lógica de securitização que tem dominado as opções assumidas pela UE em termos de políticas migratórias.
Este artigo foi produzido com o cofinanciamento da União Europeia. Os seus conteúdos são da exclusiva responsabilidade da Plataforma Portuguesa das ONGD e não refletem necessariamente as posições da União Europeia.