13 jan 2022 Fonte: Plataforma Portuguesa das ONGD Temas: Cooperação para o Desenvolvimento, Educação para o Desenvolvimento e a Cidadania Global, Sociedade Civil, Presidência da UE
O ano de 2021 arrancou com a esperança de que a vacina contra a COVID-19 viesse, por fim, devolver-nos a normalidade da vida há muito desejada. Na bem-sucedida busca pela resolução do problema sanitário à escala global, expressa no desenvolvimento da vacina em tempo recorde, acreditámos no início de um tempo novo. Aquele em que, seguindo o exemplo do esforço da comunidade científica mundial, elevaríamos a expressão da solidariedade internacional nas múltiplas crises que atravessamos: social, económica, climática, migratória e sanitária.
Mas, rapidamente, assistimos ao que temos vindo a verificar até aqui: o acesso desigual aos bens públicos globais, com os países mais ricos a apoderarem-se das vacinas e a deixarem os países mais frágeis à margem.
A distribuição desigual das vacinas, não é mais do que um espelho do que acontece em outras esferas da vida societária contemporânea, nomeadamente nos domínios sociais, económicos ou ambientais. A obsessão pelo bem-estar de uns impede de ver que “nenhum de nós estará seguro até que todos estejam seguros”, como lembrou o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, no início da crise pandémica.
Assim, 2021 não foi ainda o ano de inaugurar uma nova ética nas relações internacionais, como no início ousámos sonhar. Tendo em conta o contexto global, para a Plataforma Portuguesa das ONGD, 2021 foi o ano de continuar a denunciar as desigualdades globais e de propor soluções justas e equitativas que respondam a toda a humanidade.
Começámos o ano com a apresentação pública das prioridades da sociedade civil portuguesa para a Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia, resultado de uma ampla concertação entre as nossas Associadas e destas com outras organizações da sociedade civil representantes de diversos setores da sociedade portuguesa. Afirmámos que queremos uma Europa solidária e respeitadora dos compromissos para o Desenvolvimento Global, nomeadamente no que respeita ao desenvolvimento humano, justiça climática, migrações, proteção do espaço de ação da sociedade civil e na resposta equitativa à pandemia de Covid-19.
Com grande satisfação verificámos que algumas das principais preocupações da Plataforma constam das conclusões finais do Conselho da União Europeia, nomeadamente no que respeita à prioridade dada ao Desenvolvimento Humano.
O momento que vivemos acrescenta urgência à necessidade de reflexão sobre o futuro da cooperação para o desenvolvimento, as dinâmicas internacionais e a complexificação do sistema de governação global. Procurando dar um contributo de qualidade à discussão, publicámos o paper “Cooperação para o Desenvolvimento: Uma visão da Sociedade Civil para um setor em transformação” e o estudo “O Futuro da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento - Fragmentação, adaptação e inovação num mundo em mudança”, realizado em parceria com os investigadores do ISEG Ana Luísa Silva, Luís Pais Bernardo e Luís Mah.
A crise pandémica fez recuar 10 anos os índices de desenvolvimento humano, nomeadamente no que respeita à saúde e educação. A experiência adquirida pelas ONGD nossas Associadas, no seu trabalho com os países parceiros, oferece um contributo fundamental e é a prova da necessidade de se investir mais e em melhores recursos no apoio aos sistemas públicos dos países parceiros.
Ao mesmo tempo, o momento que vivemos, e que afeta de forma desproporcional as populações mais fragilizadas, é seguramente o momento de reforçar este instrumento. Na Plataforma continuámos, por isso, a apelar ao Governo Português e à Assembleia da República a calendarização para o aumento progressivo das verbas disponibilizadas anualmente para a Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD), para que seja possível atingir o objetivo de dedicar, até 2030, 0,7% do Rendimento Nacional Bruto (RNB) para APD e entre 0,15% a 0,20% do RNB para os Países Menos Avançados.
No que respeita à justiça climática, ao longo de 2021 e, particularmente no contexto da COP26, continuámos a apelar a uma transição justa e inclusiva, reafirmando que as políticas da UE nesta matéria (nomeadamente o Pacto Ecológico Europeu e a Lei do Clima) devem ser coerentes com os compromissos da Agenda 2030 e estar alinhadas com a luta pela redução das desigualdades dentro e fora da UE. A reflexão foi alimentada pelo estudo que publicámos “Financiamento Sustentável, Setor Privado e Transição Justa”, elaborado pela ONGD Oikos.
2021 foi também o ano de reafirmar e defender o espaço de atuação próprio da sociedade civil. Deixámos claro que tudo faremos para trazer ao espaço público e aos processos de decisão política as preocupações e as soluções que temos e que resultam da nossa proximidade com as pessoas, com os seus problemas e dificuldades, mas também com as suas expectativas e esperanças.
No que respeita à relação entre a UE e África, a Plataforma está a dar o seu contributo para a próxima Cimeira UA-UE, que se realiza em fevereiro próximo, e publicámos em 2021 o estudo “União Europeia e África: Rumo a uma Parceria “Entre Iguais”?”, elaborado pelas investigadoras Patrícia Magalhães Ferreira e Andreia Oliveira. Aqui, reafirmamos a necessidade de substituir uma abordagem centrada “na ajuda” por uma abordagem focada numa parceria genuína entre iguais, assente em mecanismos de decisão, onde ambas as partes têm o mesmo peso à mesa das negociações e com um forte envolvimento da sociedade civil dos países africanos.
Ainda que 2021 não tenha concretizado uma nova ética nas relações internacionais, acreditamos que é possível pensar e sonhar uma humanidade diferente, modelar o futuro na corresponsabilidade, na solidariedade e na cooperação, onde cada pessoa conta na sua dignidade e singularidade.
Olhando e perspetivando 2022, queremos construir políticas de cooperação que efetivamente respondam aos desafios globais. Continuaremos a trabalhar para que a nova Estratégia da Cooperação Portuguesa seja ambiciosa, num quadro de maior visibilidade na nova legislatura. Estaremos empenhados em construir uma nova Estratégia Nacional de Educação para o Desenvolvimento que tenha em conta o papel das ONGD, tanto na sua abordagem conceptual como na sua implementação, e que seja consequente no impacto a longo prazo na transformação de uma sociedade consciente e capaz de intervir nas desigualdades globais.
Acompanharemos de perto a Cimeira UE-África e defenderemos que a centralidade na erradicação da pobreza deve continuar a ser o objetivo principal da política de cooperação da União Europeia com os países africanos.
A defesa do espaço da sociedade civil continuará a ser uma prioridade transversal para a Plataforma, tanto na defesa da inclusão da sociedade civil na construção e implementação das políticas, como também na aposta no desenvolvimento de competências e sustentabilidade das nossas Associadas, nomeadamente na dimensão ética, de transparência e boa governança, através da implementação do Código de Conduta.
E termino citando o Secretário-Geral da ONU na sua mensagem de ano novo, reafirmando que os desafios que juntos enfrentamos “são testes que a humanidade pode recuperar, se nos comprometermos a fazer de 2022 um ano de recuperação para todos.”
Ana Patrícia Fonseca, Presidente da Direção da Plataforma Portuguesa das ONGD