12 jan 2023 Fonte: Plataforma Portuguesa das ONGD Temas: Cooperação para o Desenvolvimento, Comunicação, Capacitação institucional / comunitária, Alterações climáticas e ambiente, Ajuda Pública ao Desenvolvimento, Advocacia Social e Política

Artigo por: Ana Patrícia Fonseca, Presidente da Direção da Plataforma Portuguesa das ONGD
Se em 2021 vivemos sentindo-nos em convalescença coletiva, chegámos a 2022 confiantes de que o novo ano marcaria o início da recuperação. Imaginámos que a pós-pandemia seria o preâmbulo para o restabelecimento da situação económica e social.
Nos planos traçados para 2022 não suspeitámos os acontecimentos do dia 24 de fevereiro. A invasão da Ucrânia pela Rússia instalou uma longa guerra na Europa e veio acrescentar complexidade e caos às múltiplas crises em curso. Provocou no velho continente a maior crise humanitária desde a II Guerra Mundial e alastrou os seus efeitos à escala global, com um severo impacto nos países mais vulneráveis.
Os vários relatórios publicados pelo Grupo Global de Resposta a Crises, criado pelo Secretário-Geral da ONU em resposta às preocupações sobre o impacto da guerra na Ucrânia a nível mundial, alertam para a crise tridimensional que está a afetar os países em desenvolvimento, resultante do conflito na Europa: crise alimentar, financeira e energética.
A história que o presente nos confia e que, tantas vezes, acreditamos que nos ultrapassa, é dolorosa, desordenada e caótica, onde os atropelos à dignidade humana são perturbadoramente escandalosos.
Porém, é uma história sempre inacabada, na qual as organizações da sociedade civil, onde a Plataforma Portuguesa das ONGD e as suas Associadas se incluem, procuram impregnar o íntimo de cada tempo de humanismo e de relações solidárias, promotoras de paz. Esta história, que se edifica a cada dia, convoca-nos a uma nova ética das relações internacionais, fundada na responsabilidade e na solidariedade, na dignidade e nos direitos de cada pessoa, no equilíbrio social, económico e ambiental. Nisto acreditamos sempre. E, por isto, trabalhamos sempre. A história não nos ultrapassará.
Para a Plataforma Portuguesa das ONGD, 2022 foi o ano de continuar a colocar no centro do debate público e político as realidades periféricas com quem as nossas Associadas trabalham.
Para fazer face aos impactos provocados pela guerra na Ucrânia, apelámos, com outras organizações da sociedade civil, junto dos membros do CAD-OCDE, à mobilização de recursos adicionais e a um aumento do financiamento dos Estados para Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD).
A nível nacional, iniciámos 2022 com a publicação do Manifesto “Afirmar o contributo da Cooperação Portuguesa para um mundo mais justo e sustentável”, no âmbito das eleições legislativas de janeiro, que afirmou a necessidade dos diferentes protagonistas políticos assumirem a importância de potenciar o papel de Portugal no Desenvolvimento Global.
2022 foi também um ano intenso de apresentação e diálogo junto do Governo e do Camões, I.P. das propostas constantes no documento A Visão da Plataforma Portuguesa das ONGD sobre o futuro da Cooperação Portuguesa, que sintetizam o contributo da Plataforma e suas Associadas para a Estratégia da Cooperação Portuguesa 2030, que veio a ser aprovada e publicada no fim do ano. Da profunda e acentuada atividade realizada neste domínio, destacam-se a promoção do Seminário “Portugal e o Desenvolvimento Global num mundo em mudança”, a participação na consulta pública e a reunião de auscultação realizada entre as Associadas da Plataforma e o SENEC - Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação. Em resultado do forte trabalho realizado neste tema, a versão final do documento integra muitas das propostas que a Plataforma apresentou ao longo dos últimos dois anos.
Dedicámos parte do ano a analisar os Orçamentos do Estado para 2022 e para 2023, apresentando propostas concretas junto dos diferentes partidos com assento parlamentar, no sentido de reforçar o contributo de Portugal em matéria de Cooperação para o Desenvolvimento, Educação para o Desenvolvimento e a Cidadania Global e Ação Humanitária e de Emergência, nomeadamente através do aumento da Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) e da inclusão de Portugal na rota do cumprimento da meta de dedicar 0,7% do RNB para APD, até 2030. A partir dos contributos da Plataforma, foram apresentadas três propostas de alteração ao OE 2022 e oito ao OE 2023. De realçar ainda que o OE 2023 prevê duas importantes reivindicações feitas pelas ONGD portuguesas, desde há largos anos: i) a canalização de 20M€ adicionais para o Camões, I.P., com o exclusivo objetivo de implementar programas, projetos e ações de cooperação para o desenvolvimento; ii) e o estabelecimento de um mecanismo de partilha de informação entre ministérios no âmbito de atividades de cooperação previstas para 2023.
O financiamento para o desenvolvimento é um elemento central na resposta aos desafios globais. Neste domínio, continuámos a monitorizar a APD portuguesa e participámos no relatório AidWatch da CONCORD; dedicámos a edição n.º 24 da revista ao tema “Financiar o Desenvolvimento: Compromissos e Desafios”; publicámos o relatório “Financiamento do Desenvolvimento em tempo de incerteza: o contributo da Cooperação Portuguesa” e realizámos o Seminário “A Cooperação Portuguesa em tempos de incerteza: que espaço para a solidariedade?”, onde aprofundámos a reflexão em conjunto com um leque vasto de entidades, incluindo a Assembleia da República.
Em 2022, destacamos ainda a publicação do Relatório do Exame pelos Pares do Comité de Ajuda ao Desenvolvimento (CAD) da OCDE a Portugal, onde a Plataforma teve um papel relevante, integrando pela primeira vez, e com direito a declaração oral, a delegação portuguesa na reunião final do Exame. A Plataforma contribuiu ativamente para todas as fases do processo e submeteu um memorando-sombra, onde formulou um conjunto de recomendações destinadas a melhorar a qualidade da Cooperação Portuguesa, que encontram um expressivo reflexo nas 10 recomendações finais do Exame.
No que respeita à justiça climática, continuámos a acompanhar e a participar nas grandes negociações internacionais, nomeadamente através da COP27. Este ano, e não esquecendo o muito que ficou por concretizar nesta matéria, assinalamos uma vitória histórica, resultado dos apelos desesperados dos países em desenvolvimento e do trabalho incansável da sociedade civil nas últimas três décadas - a criação de um Fundo para Perdas e Danos.
Num tempo marcado pela generalização da desinformação e pela polarização dos discursos públicos, procurámos consolidar o papel da Educação para o Desenvolvimento e para a Cidadania Global no reforço do pensamento e da reflexão crítica, na mobilização dos cidadãos, na consciencialização da opinião pública e no fortalecimento das democracias. Em 2022 empenhámo-nos na preparação do Fórum de ED (a realizar em 2023) e no acompanhamento do processo de avaliação da ENED 2018-2022 com a Comissão de Acompanhamento; demos início ao Estudo sobre o impacto das práticas de educação não formal das ONGD para a transformação social, que será apresentado no primeiro trimestre de 2023; contribuímos ativamente para a redação da “The European Declaration on Global Education to 2050”; e dedicámos a edição n.º 25 da Revista da Plataforma ao tema “Educação para o Desenvolvimento e a Cidadania Global em tempos de mudança”.
A constituição de Sociedade Civil organizada, plural, independente e coesa é essencial para a justiça global, para o desenvolvimento sustentável e para o reforço das democracias. Ao longo dos anos, a Plataforma tem defendido o espaço da sociedade civil e tem-se empenhado no desenvolvimento de competências das suas Associadas. Em 2022, apresentámos os resultados do estudo “Inovação e Mudança nas ONGD Portuguesas”, desenvolvido pelo Centro de Estudos sobre África e Desenvolvimento (CEsA) do ISEG; realizámos a 2ª edição da Academia do Desenvolvimento; concluímos dois programas de capacitação inovadores - Pair Up! e o programa Sustentare; e demos início à implementação do Código de Conduta, procurando reforçar as dimensões ética, de transparência, prestação responsável de contas e de boa governação entre as Associadas da Plataforma.
2022 foi também o ano em que a Plataforma integrou o Intergovernmental Negotiating Body da Organização Mundial de Saúde (OMS), estrutura que integra todos os Estados membros da OMS e que se encontra a preparar uma convenção da OMS sobre prevenção, preparação e resposta a pandemias, nomeadamente nas ações de cooperação internacional.
Se 2023 não for o ano de começar a recuperar, será, certamente, o ano de continuar a resistir, na esperança de construir políticas de cooperação que respondam aos desafios globais e à vontade das pessoas, garantindo com firmeza que a história não nos ultrapassará.
No ano que agora se inicia, será nossa prioridade contribuir empenhadamente para a construção do Plano de Ação da ECP2030; para a nova Estratégia de Educação para o Desenvolvimento; para o Relatório Nacional Voluntário sobre a implementação da Agenda 2030; e para as políticas climáticas globais. Continuaremos a trabalhar para fazer emergir na Assembleia da República, e junto de outros interlocutores, um debate forte sobre a cooperação portuguesa. Dedicaremos grande parte do nosso trabalho ao reforço das capacidades organizacionais das nossas Associadas, através da implementação do Código de Conduta e do Programa de Capacitação; e à produção de pensamento crítico sobre os principais temas do setor, apresentando recomendações e propostas nos principais fóruns nacionais e internacionais. Paralelamente, contribuiremos para ampliar no espaço público e mediático reflexões sobre os desafios com os quais trabalhamos.
Com a certeza de que muitas outras prioridades surgirão no correr dos dias, entramos em 2023 com abertura à novidade que os próximos meses nos revelarão.
E, a terminar, tomo para este texto as palavras de Fernando Pessoa “Tudo é ousado para quem a nada se atreve”, desejando que em 2023 busquemos o atrevimento que nos conduz ao bem comum e a uma vida digna para todas as pessoas.