09 jun 2022 Fonte: Plataforma Portuguesa das ONGD Temas: Advocacia Social e Política, Ajuda Pública ao Desenvolvimento, Sociedade Civil, Setor Privado
As questões do financiamento para o desenvolvimento são, e sempre serão, um elemento central nas discussões sobre a construção de soluções que deem resposta aos desafios globais. Segundo um recente relatório da Oxfam, estima-se que, em 2022, mais de 263 milhões de pessoas possam ser empurradas para a pobreza extrema devido ao impacto da pandemia, das desigualdades e da inflação de preços de alimentos e energia – acelerada pela guerra na Ucrânia. Prevê-se ainda que as perdas e os danos provocados pela crise ecológica aumentem significativamente nas próximas décadas, em virtude da falta de ação determinada dos países, especialmente os que para tal mais contribuem, para enfrentar as consequências do aumento da temperatura global. A isto juntam-se dificuldades no acesso a financiamento provocado pelo agravamento de crises de dívida em vários países em desenvolvimento.
Neste contexto, multiplicam-se os apelos por mais e melhor financiamento para o desenvolvimento, ao mesmo tempo que se intensifica o debate sobre quais os instrumentos e modalidades mais eficazes para enfrentar os desafios que se nos colocam, e se apela à mobilização dos países para uma ação concertada e mais solidária para atender às necessidades.
O financiamento para o desenvolvimento compreende um conjunto de ações dedicadas a gerir um determinado volume de fundos que os países doadores disponibilizam para dar resposta a necessidades identificadas em países considerados em desenvolvimento, devendo existir um alinhamento dos fluxos e políticas de desenvolvimento com as prioridades económicas, sociais e ambientais desses países. Trata-se, por isso, da canalização de dinheiro através de mecanismos especificamente dedicados a produzir impacto em termos de desenvolvimento - sejam eles subvenções ou apoios diretos aos orçamentos de estado de países parceiros, empréstimos concessionais que ofereçam condições diferentes das encontradas no mercado, ou ainda instrumentos que tenham como objetivo atrair investimento de atores privados.
A discussão em torno do financiamento para o desenvolvimento remonta ao final dos anos noventa, por altura da aprovação da Agenda para o Desenvolvimento pela Assembleia-Geral das Nações Unidas, na sequência da qual foi realizada a primeira Conferência Internacional sobre financiamento para o desenvolvimento, em 2002, em Monterey, México. Daqui saiu o Consenso de Monterey, que afirma a importância do financiamento para o desenvolvimento para a erradicação da pobreza e a promoção do desenvolvimento sustentável. Uns anos mais tarde, em 2015, a Conferência sobre Financiamento para o Desenvolvimento de Addis Abeba adotou a Agenda de Ação batizada com o nome da mesma cidade sob o mote “A global framework for financing development post-2015". Nesta conferência, os Chefes de Estado e do Governo dos vários países presentes reafirmaram a sua vontade em erradicar a pobreza e a fome e alcançar o desenvolvimento sustentável nas suas três dimensões por meio da promoção do crescimento económico inclusivo, proteção do meio ambiente e da promoção da inclusão social.
Esta temática, no entanto, surge frequentemente associada à Agenda 2030, pois a par do exercício de definição das prioridades em que se basearam os ODS, foram feitas estimativas dos montantes que seria necessário mobilizar para a sua concretização. O resultado deste exercício deixou evidente que os montantes habituais dos fundos públicos canalizados através dos mecanismos tradicionais, como a Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD), não seriam suficientes para financiar as necessidades identificadas. A importância de encontrar novos modelos de mobilização de fundos veio, por isso, acrescentar complexidade ao panorama da arquitetura global do financiamento para o desenvolvimento.
Perante um cenário tão diverso e complexo, importa, cada vez mais, perceber em que medida é que cada uma das modalidades de financiamento para o desenvolvimento tem contribuído para encontrar soluções para as necessidades identificadas pelos países e pelas comunidades afetadas. Importa, contudo, que este debate contribua também para recentrar as discussões sobre a temática do financiamento para o desenvolvimento naquilo que é verdadeiramente essencial: assegurar que as respostas encontradas são orientadas por princípios como a solidariedade internacional e direcionadas para a erradicação da pobreza a nível global e para a luta contra as desigualdades que se têm vindo a acentuar. Assim, é no sentido de contribuir para a clarificação das discussões atuais em torno das opções, dos desafios, dos instrumentos e das modalidades de financiamento para o desenvolvimento, que a Plataforma Portuguesa das ONGD dedica a sua 24ª edição ao tema “Financiar o desenvolvimento: compromissos e desafios”.
Para isso, a presente edição da revista da Plataforma destaca questões como o contributo financeiro que Portugal tem dedicado à sua Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD), a emergência de fluxos como o financiamento climático e a sua ligação aos desafios do desenvolvimento, o papel do setor privado, a gestão dos níveis de endividamento dos países em desenvolvimento, entre outras problemáticas.
A expectativa é que a revista possa, assim, ser mais um elemento no debate que é necessário fazer sobre a adequação de alguns dos instrumentos de financiamento em que se tem apostado, sobre a importância de investir mais em modalidades de financiamento verdadeiramente orientadas para o desenvolvimento nas suas várias dimensões, e sobre as opções que devem ser prosseguidas nos próximos anos. Num momento em que se discute o que virá a ser a abordagem estratégica da Cooperação Portuguesa para os próximos anos, este é também um momento oportuno para, no âmbito nacional, dinamizar o debate sobre a temática do financiamento para o desenvolvimento.
Artigos
- Por que insistimos no papel da Ajuda Pública ao Desenvolvimento? - Por Ana Filipa Oliveira, Cármen Maciel e Teresa Antunes, membros do Grupo de Trabalho Aid Watch da Plataforma Portuguesa das ONGD
- As complicadas contas do combate às alterações climáticas - Por José Luís Monteiro, Oikos – Cooperação e Desenvolvimento
- O que são os Instrumentos do Setor Privado e porque nos devemos preocupar com o seu reporte enquanto APD? - Por Nerea Craviotto, Eurodad
- Multilaterais, Setor Privado e Sociedade Civil: aliados na promoção de um desenvolvimento sustentável - Por Grupo de Trabalho das Multilaterais
- Financiamento internacional para o Desenvolvimento em São Tomé e Príncipe - Por Eduardo Elba, Diretor Executivo da Federação de ONG de São Tomé e Príncipe
- Repensar a gestão da dívida para apoiar o desenvolvimento - Por Rita Cavaco, ACEP
- Uma visão geral das tendências da APD a nível europeu: são necessários mais recursos - Por Salvatore Nocerino, Consultor de políticas e advocacy, Concord Europe
- À Conversa com João Ribeiro de Almeida, Presidente do Camões, I.P. - entrevista realizada por Rita Leote